Este relatório e nossa campanha são dedicados a todas as pessoas, comunidades e organizações que corajosamente se posicionam em defesa dos direitos humanos, da terra e do meio ambiente.
Em 2023, 196 defensores da terra e do meio ambiente foram assassinados.
Reconhecemos que os nomes de muitas dessas pessoas podem estar faltando aqui, e talvez nunca saibamos quantas mais deram a vida para proteger nosso planeta. Prestamos nossa homenagem ao trabalho delas também.
Nonhle Mbuthuma conseguiu paralisar testes sísmicos altamente destrutivos que procuravam petróleo e gás na Costa Selvagem da África do Sul. Apesar de ameaças constantes à sua segurança, ela segue defendendo sua comunidade e o meio ambiente. Thom Pierce
Não seremos silenciados. Continuaremos fazendo história
Nonhle Mbuthuma, vencedora do Prêmio Goldman de 2024 e fundadora do Comitê de Crise Amadiba, é líder da comunidade de Ama-Mpondo, na África do Sul.
Foi como se tivessem jogado uma bomba na nossa cabeça quando descobrimos que a gigante petroquímica Shell estava procurando petróleo e gás na costa da África do Sul, perto de onde moro. Não que alguém tenha se dado ao trabalho de nos informar – nem o nosso governo, nem a Shell, nem ninguém. Ficamos sabendo pelos jornais.
Pouco importa que nossa Constituição afirme claramente que nós devemos ser consultados. Assim como tantos outros defensores da terra e do meio ambiente pelo mundo, descobrimos de repente que os nossos direitos básicos estavam sendo desrespeitados. Mesmo assim, eu me considero uma pessoa de sorte, porque pelo menos estou aqui para contar a minha história.
Como documenta este novo relatório, 196 colegas defensores não tiveram a mesma sorte e hoje não podem contar suas histórias, pois foram brutalmente assassinados em 2023.
Este relatório mostra que, em todas as partes do mundo, as pessoas que se manifestam e chamam a atenção para os danos causados pelas indústrias extrativas – incluindo desmatamento, poluição e grilagem de terras – enfrentam violência, discriminação e ameaças.
Somos defensores da terra e do meio ambiente. Quando ousamos nos manifestar, com frequência somos atacados.
Os ecossistemas marinhos da África do Sul são fascinantes. Assim como outros povos e culturas pelo mundo, os povos indígenas da província do Cabo Oriental também encontram lazer e descanso no litoral.
Mas, para nós, essa é mais que uma região de praias de areia fina e águas azul-turquesa. Para nós, o oceano é uma fonte vital de alimento e uma tábua de salvação para milhões de pessoas. Nossos mares são o lar de muitas espécies marinhas endêmicas. São locais sagrados, com um profundo significado cultural que remonta a diversas gerações.
Os direitos de exploração sísmica da Shell foram revogados e considerados ilegais por um tribunal sul-africano em setembro de 2022, após campanha feita pelos moradores locais. Rogan Ward / Reuters
Imaginem, então, como me senti quando soube que a Shell planejava realizar explosões sísmicas – o próprio nome já sugere o terrível impacto dessas atividades – em águas costeiras ricas em biodiversidade perto da minha casa.
A zona de detonação em Maputaland-Pondoland-Albany afetaria uma área de 6 mil km2 – duas vezes e meia o tamanho da Cidade do Cabo. Os planos da Shell de extrair mais petróleo e gás não seriam catastróficos apenas para a vida marinha, mas também para as pessoas e para o planeta como um todo.
Foi então que entendi o quanto éramos invisíveis e o quanto empresas como a Shell não dão a mínima para o impacto que causam no clima, na poluição e na biodiversidade, justamente os maiores desafios em termos de direitos humanos da nossa geração.
A violação desses direitos fundamentais por governos e empresas em busca de lucro não é simplesmente um dano colateral menor. Suas ações têm consequências que mudam a vida de todos nós.
Assim como muitas comunidades que enfrentam projetos prejudiciais ao meio ambiente ao seu redor, sabíamos que a única forma de avançar seria construir um movimento em toda a África do Sul.
“A violação desses direitos fundamentais por governos e empresas em busca de lucro não é simplesmente um dano colateral menor. Suas ações têm consequências que mudam a vida de todos nós”
Nonhle Mbuthuma, vencedora do Prêmio Goldman de 2024 e fundadora do Comitê de Crise Amadiba, é líder da comunidade de Ama-Mpondo, na África do Sul.
Juntas, pessoas comuns – incluindo famílias, ativistas, jornalistas e advogados – trabalharam para mostrar ao nosso governo que existe outro caminho mais equitativo para assegurar o abastecimento de combustíveis no futuro. Nossa mensagem ecoou para além do nosso litoral, e o movimento se espalhou rapidamente pelo mundo.
Enfrentamos uma empresa multinacional e um governo que apoiava seus projetos. Mesmo assim, movemos processos judiciais contra a Shell e o nosso próprio governo. E nossa perseverança e determinação valeram a pena.
Em setembro de 2022, a suprema corte da África do Sul revogou os direitos de exploração da Shell e decidiu que a realização de pesquisas sísmicas na região da Costa Selvagem era ilegal.
Essa foi uma decisão histórica e uma vitória inédita para nós. Sentimos que a justiça havia sido feita. Mas nossa alegria durou pouco. Na sequência, os advogados das outras partes recorreram e, no momento, estamos aguardando a data da próxima audiência.
Seja quando for, estaremos prontos.
Nonhle Mbuthuma, vencedora do Prêmio Goldman de 2024 e fundadora do Comitê de Crise Amadiba, é líder da comunidade Ama-Mpondo na África do Sul. Thom Pierce / Guardian / Global Witness / UN Environment
Um defensor ambiental não consegue atuar sem sacrifício pessoal. Décadas de trabalho para proteger nosso planeta me afetaram física e emocionalmente. Existe um custo oculto no nosso ativismo.
Durante anos, enfrentei ameaças de morte, brutalidade, criminalização e assédio. Saber que minha vida está em perigo todos os dias é profundamente desgastante. E eu sei que não estou sozinha.
Desde que a Global Witness começou a reportar esses assassinatos em 2012, mais de 2 mil defensores foram assassinados em todo o mundo. No entanto, os governos não conseguem documentar e investigar esses ataques, muito menos identificar e atacar a raiz do problema.
Os defensores e suas comunidades estão expostos a uma série de represálias, mas embora essas represálias possam assumir diversas formas, muitas delas permanecem ocultas. Ou pior, ignoradas.
Quando vejo meu país, tão rico em recursos, mas tão desigual, fica claro que a extração de recursos naturais está oprimindo seus cidadãos, em vez de apoiá-los. A exploração das pessoas e do meio ambiente tem as suas raízes na violência colonial, no racismo e na injustiça.
Nossos antepassados se deram conta do poder da informação, da educação e da mobilização das pessoas. E fizeram história ao colocar esse poder em prática.
Saber que minha vida está em perigo todos os dias é profundamente desgastante. E eu sei que não estou sozinha
Nonhle Mbuthuma, vencedora do Prêmio Goldman de 2024 e fundadora do Comitê de Crise Amadiba, é líder da comunidade de Ama-Mpondo, na África do Sul.
Agora, meu papel como defensora é pressionar os poderosos e a elite a tomar medidas radicais que nos afastem dos combustíveis fósseis e nos aproximem de sistemas que beneficiem toda a sociedade.
É função dos líderes ouvir e garantir que os defensores possam falar sem riscos. Essa é uma responsabilidade de todos os países, sobretudo dos países ricos e também dos países ricos em recursos naturais.
Assim, quando me falam dos benefícios das empresas multinacionais que atuam no meu país, eu sempre pergunto: quando os oceanos estiverem poluídos, nossos meios de subsistência, destruídos, e o abismo da desigualdade, mais profundo, quem será que vai pagar o preço? Quem vai pagar quando os danos forem irreversíveis?
Hoje, estamos vivendo uma emergência climática. E, em muitos aspectos, ainda temos de lutar pelas mesmas coisas básicas: os nossos direitos fundamentais. Combater esse status quo é um desafio coletivo para o nosso futuro e para o futuro do mundo que compartilhamos.
É justamente por isso que continuaremos lutando. É por isso que não seremos silenciados. É por isso que continuaremos fazendo história.
Julia Francisco Martínez ao lado do túmulo de seu marido, Francisco Martínez Marquez, ativista indígena assassinado em Honduras em janeiro de 2015, após meses de ameaças de morte. Giles Clarke / Global Witness
Todos os anos, defensores da terra e do meio ambiente são assassinados por ousarem resistir à exploração ambiental no mundo todo. Em 2023, documentamos o assassinato de 196 defensores.
Perspectiva global: principais conclusões de 2023
A Global Witness documentou que 196 defensores foram assassinados em 2023 por exercerem o direito de proteger suas terras e o meio ambiente. O número real é provavelmente mais alto. Isso eleva o número total de assassinatos para mais de 2 mil em todo o mundo desde que a Global Witness começou a reportar esses dados em 2012. Hoje, a Global Witness estima que o total seja
de 2.106 assassinatos.
O homicídio continua sendo uma estratégia comum para silenciar os defensores e é, obviamente, a mais brutal.
Mas, como mostra este relatório, muitas vezes os ataques letais são precedidos por retaliações mais amplas contra os defensores, que são alvo de violência, intimidação, campanhas difamatórias e criminalização por parte de governos, empresas e agentes não estatais. Isso acontece em todas as regiões do mundo e em quase todos os setores.
Os defensores assassinados tentavam, de diferentes maneiras, proteger o planeta e defender os seus direitos humanos fundamentais. Cada morte deixa o mundo mais vulnerável a crises climáticas, perda de biodiversidade e aumento da poluição.
Mais de 1.500 defensores foram assassinados desde a adoção do Acordo de Paris sobre mudanças climáticas em 12 de dezembro de 2015.
Mais uma vez, a América Latina tem o maior número de assassinatos documentados de defensores da terra e do meio ambiente – 85% dos casos em 2023.
Os ataques letais contra os defensores concentraram-se em quatro países, responsáveis por mais de 70% dos assassinatos: Brasil, Colômbia, Honduras e México. A Global Witness alerta há muitos anos sobre essa tendência na região
Das pessoas assassinadas em 2023, 43% eram indígenas e 12% eram mulheres.
A Colômbia é o país mais mortal do mundo para os defensores da terra e do meio ambiente, com 79 assassinatos em 2023 – 40% de todos os casos relatados. Esse é o total anual mais elevado documentado pela Global Witness para qualquer país desde que começamos a documentar os casos, em 2012.
Em pouco mais de uma década, 461 defensores foram assassinados na Colômbia. O país tem agora o maior número de assassinatos documentados entre 2012 e 2023.
Do total de mortos na Colômbia em 2023, 31 eram indígenas e seis eram membros de comunidades afrodescendentes.
Muitas famílias foram afetadas de forma desproporcional por conflitos armados, disputas fundiárias e violações de direitos humanos exacerbadas por mais de meio século de conflito armado.
A esmagadora maioria dos ataques ocorreu nas regiões de Cauca (26), Nariño (9) e Putumayo (7), no sudoeste do país. Uma mistura de cultivo de coca, tráfico de drogas e conflitos armados devastou essas regiões, e defensores e comunidades se viram no meio do fogo cruzado.
Suspeita-se que grupos do crime organizado sejam os autores de metade de todos os assassinatos de defensores na Colômbia em 2023.
Só foi possível estabelecer as ligações entre os ataques aos defensores colombianos e os setores que despertaram o ativismo comunitário em alguns casos: cinco relacionados à mineração, três à pesca, um à exploração madeireira e um à energia hidrelétrica.
Embora o governo do Presidente Gustavo Petro tenha assumido compromissos para reduzir a violência, ainda não se observou uma diminuição das represálias contra alguns dos ativistas e comunidades mais vulneráveis do país.
Embora o governo do Presidente Gustavo Petro tenha assumido compromissos para reduzir a violência, ainda não se observou uma diminuição das represálias contra alguns dos ativistas e comunidades mais vulneráveis do país.
Pelo contrário, a violência contra defensores dos direitos humanos e líderes sociais parece estar aumentando, e a organização colombiana Programa Somos Defensores não relata nenhuma melhora significativa nas tendências gerais.
O governo colombiano tem uma oportunidade histórica de enfrentar esses desafios como anfitrião da Convenção sobre Biodiversidade Biológica (COP CDB), em outubro de 2024.
A Convenção sobre Diversidade Biológica e como ela pode ajudar a proteger os defensores
A Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB) é um instrumento jurídico internacional para “a conservação da diversidade biológica”. O órgão dirigente da CDB é a Conferência das Partes (COP), que se reúne a cada dois anos. Em 2024, a Colômbia sediará a COP16 da CDB na cidade de Cali.
Um dos resultados importantes das negociações da COP CDB é o Marco Global de Biodiversidade Kunming-Montreal (GBF), que foi adotado pelas partes em 2022. O GBF traça uma rota ambiciosa para alcançar a harmonia com a natureza até 2050, com o reconhecimento específico da necessidade de proteger plenamente os defensores dos direitos humanos e ambientais.
A Meta 22 compromete-se com “a representação e participação plena, equitativa, inclusiva, eficaz e sensível ao gênero” dos defensores em processos decisórios. Também reconhece os direitos culturais, territoriais e de recursos dos povos indígenas e das comunidades locais, incluindo direito de acesso à justiça e a informações relacionadas à biodiversidade.
Os defensores do meio ambiente, e mais especificamente os povos indígenas, desempenham um papel vital na proteção da biodiversidade, defendendo florestas, habitats e ecossistemas fundamentais para a manutenção do clima. Em 90 países, os povos indígenas administram mais de um terço das terras protegidas do planeta e preservam cerca de 80% da biodiversidade remanescente.
Pesquisas mostram que terras geridas por indígenas têm taxas de desmatamento mais baixas e melhores resultados de conservação do que zonas de proteção que excluem os povos indígenas.
O governo colombiano se comprometeu a colocar os defensores do meio ambiente no centro das atenções na COP16. A Ministra do Meio Ambiente da Colômbia, Susana Muhamad, afirmou que o tema da COP16 será 'Paz com a Natureza', buscando destacar as vozes daqueles que cuidam da biodiversidade e dos territórios.
A Colômbia terá a presidência da CDB por dois anos até a próxima COP, em 2026. É uma oportunidade única de liderar transformações no papel que os defensores do meio ambiente e a sociedade civil desempenham nas COPs.
Óscar Eyraud Adams é lembrado por sua família em um rancho em Juntas de Nejí, Baixa Califórnia, México. Ativista indígena Kumiay, Óscar foi morto a tiros dentro de casa em setembro de 2020. Luis Rojas / Global Witness
Tendências semelhantes são evidentes no México e em Honduras, cada um com 18 defensores mortos em 2023 – abaixo dos 31 em 2022 no México e acima dos 14 em Honduras.
No México, mais de 70% dos defensores assassinados em 2023 eram indígenas. Os ataques se concentraram em estados da costa do Pacífico: Jalisco, Colima e Michoacán, e a maioria tinha relação com as atividades de mineração na região. Dos três estados, Michoacán foi o mais mortal, com oito assassinatos documentados em 2023.
Em contraste com a Colômbia, conseguimos relacionar mais de 40% dos assassinatos no México em 2023 a defensores que se opuseram a atividades de mineração. A mineração continua a ter um papel fundamental no país, contribuindo significativamente para o cenário econômico mexicano.
Além dos assassinatos, o México também testemunhou um número considerável de desaparecimentos forçados, uma forma de violência particularmente cruel e típica desse país, embora não exclusiva dele.
Com o mesmo número de assassinatos que o México, mas menos de um décimo da população, Honduras figura como o país com o maior número de assassinatos per capita em 2023.
A organização hondurenha ACI-Participa identificou a falta de terras produtivas para os agricultores, a priorização das atividades extrativas e a violação dos direitos dos povos indígenas e afrodescendentes como motivos fundamentais para compreender a prevalência dos ataques no país.
No geral, os ataques no Brasil caíram de 34 em 2022 para 25 no ano passado. Mais da metade eram indígenas e quatro eram afrodescendentes.
Havia grandes expectativas de que o novo presidente, Luiz Inácio Lula da Silva, revertesse as políticas adotadas por seu antecessor, Jair Bolsonaro, cuja presidência foi caracterizada por leis que abriram a Amazônia à exploração e à destruição.
Essas políticas incentivaraminvasões ilegais de terras indígenas e enfraqueceram os planos do país para reduzir suas emissões.
Até o
momento, houve algum progresso. O governo restaurou o financiamento para
proteger a Amazônia e fortaleceu o órgão responsável por questões indígenas,
desmantelado na gestão Bolsonaro.
No entanto, as mudanças políticas continuam a ser um desafio diante de um Congresso conservador, dominado pela bancada ruralista, que apoia os interesses de grandes latifundiários em detrimento da reforma agrária.
Em 2023, a Global Witness documentou pelo menos dez assassinatos relacionados ao movimento sem-terra, que exige uma distribuição de terras mais equitativa.
A Comissão Pastoral da Terra relata um número crescente de conflitos fundiários na última década, com 2023 batendo um recorde histórico.
Asia
Na Ásia, 468 defensores foram assassinados entre 2012 e 2023 – 64% nas Filipinas (298), com casos adicionais na Índia (86), Indonésia (20) e Tailândia (13). Em 2023, registramos assassinatos nas Filipinas (17), na Índia (5) e na Indonésia (3).
Jonila Castro participa de protesto no Dia da Independência das Filipinas, Manila, junho de 2024. Ela e a colega ativista climática Jhed Tamano fizeram campanha contra projetos de aterro da Baía de Manila. Raffy Lerma / Global Witness
Ataques não letais também são cada vez mais utilizados como táticas para suprimir o ativismo em toda a região. A Forum Asia identificou o assédio judicial como a violação mais registrada contra defensores dos direitos humanos na Ásia em 2021 e 2022, documentando 1.033 incidentes.
A Global Witness relatou sete desaparecimentos forçados nas Filipinas, e essa tendência parece se estender a outros países em 2024.
O sequestro de defensores da terra e do meio ambiente no Sudeste Asiático se tornou uma questão crítica, que reflete um esforço sistêmico mais amplo por parte dos donos do poder para suprimir qualquer dissidência e manter o controle sobre a terra e os recursos.
Um exemplo claro é o recente sequestro de Muhriono, um pequeno agricultor de Pakel, Banyuwangi, na província de Java Oriental, Indonésia.xiv Esse incidente ressalta a tendência crescente de visar indivíduos que desafiam interesses poderosos, especialmente aqueles ligados aos direitos fundiários e ao meio ambiente.
As Filipinas são o país mais perigoso da Ásia para os defensores
África
Na África, em 2023, dois defensores foram assassinados na República Democrática do Congo, um em Ruanda e outro em Gana. Entre 2012 e 2023, 116 defensores foram assassinados na África, a maioria deles guardas florestais na República Democrática do Congo (74).
Também documentamos casos em países como Quênia (6), África do Sul (6), Chade (5), Uganda (5), Libéria (3) e Burkina Faso (2), entre outros.
Por mais assustadores que sejam, esses números são provavelmente subnotificados, uma vez que o acesso à informação continua a ser um desafio em todo o continente.
Malungelo Xhakaza mostra uma foto de sua mãe, Fikile Ntshangase, morta em 2020 após se opor à expansão de uma mina de carvão vizinha à comunidade de Somkhele, África do Sul. Thom Pierce / Global Witness
Espaço cívico contestado
Na Europa e na América do Norte, os defensores também enfrentam situações cada vez mais difíceis à medida que exercem seu direito de protestar. Lá também, o espaço cívico é cada vez mais contestado.
Quatro manifestantes foram mortos no Panamá no ano passado, enquanto dois foram mortos na Indonésia.
Nos Estados Unidos, um policial matou a tiros um defensor que protestava contra a derrubada de uma floresta para dar lugar a um centro de treinamento policial.
Manuel Paez Terán foi morto a tiros por um policial durante um protesto pacífico contra a destruição de uma floresta para dar lugar ao polêmico centro de treinamento policial "Cop City" no estado americano da Geórgia. Washington Post / Elijah Nouvelage
Pessoas e comunidades
Em 2023, o número desproporcional de ataques contra povos indígenas (85) e afrodescendentes (12) continuou globalmente.
As vítimas desses ataques incluem representantes de comunidades que lutam contra invasões de terras, muitas vezes com pouco ou nenhum apoio estatal. Incluem até mesmo pessoas que têm tentado se engajar de forma construtiva com os interesses corporativos para garantir que suas terras não sejam destruídas ou poluídas.
Em alguns casos, a família dos ativistas também é alvo da violência. Embora os casos de ataques letais sejam menos comuns, um terço dos ataques em 2023 foi dirigido a familiares do sexo feminino. As defensoras também enfrentam desafios adicionais e riscos específicos de gênero, inclusive quando desafiam as normas tradicionais de gênero.
Esses ataques punitivos explicitam a natureza patriarcal da violência contra os defensores e sinalizam a necessidade de uma justiça que aborde formas interseccionais de violência.
Motivações econômicas
Continua a ser difícil estabelecer uma relação direta entre o assassinato de um defensor e interesses empresariais específicos. No entanto, conseguimos identificar que a mineração é, de longe, o principal setor responsável, com 25 defensores mortos após se oporem a atividades de mineração em 2023.
A mineração foi o setor mais implicado em assassinatos de defensores em 2023
Mais de 50% das mortes relacionadas à mineração entre 2012 e 2023 ocorreram na América Latina. No ano passado, 23 dos 25 assassinatos relacionados à mineração em todo o mundo aconteceram nessa região.
Mais de 40% de todas as mortes relacionadas à mineração entre 2012 e 2023 ocorreram na Ásia. A região possui reservas importantes de minérios essenciais para tecnologias de energia limpa, incluindo níquel, estanho, minerais de terras raras e bauxita.
Pode ser uma boa notícia para a transição energética, mas, sem mudanças drásticas nas práticas de mineração, também poderá aumentar a pressão sobre os defensores.
As tendências por trás dos ataques na América Central
Juntos, os sete países que compõem a América Central – Belize, Costa Rica, El Salvador, Guatemala, Honduras, Nicarágua e Panamá – têm aproximadamente o mesmo tamanho que a Tailândia. No entanto, essa pequena área contém 12% da biodiversidade mundial.
Essa riqueza se estende às culturas da região. A América Central é o lar de numerosos povos indígenas e comunidades afrodescendentes, cujos conhecimentos e práticas coletivas poderiam desempenhar um papel importante no combate às mudanças climáticas.
No entanto, suas vozes têm sido sistematicamente marginalizadas nas discussões sobre o clima, um reflexo das estruturas coloniais que historicamente desconsideram o conhecimento indígena.
Hoje, esse conhecimento é mais necessário que nunca. Como se fosse uma colcha de retalhos de ecossistemas tropicais distribuídos por uma estreita faixa de terra entre o Pacífico e o Caribe, a América Central é altamente vulnerável às alterações climáticas.
A área também está sob ameaça crescente de interesses econômicos predatórios. Cerca de 80% de sua exuberante mata nativa já foi convertida em terras agrícolas, fragmentando florestas críticas para o clima e causando a perda de biodiversidade.
Plantação de óleo de palma na Guatemala. Há décadas, a América Central está sujeita a atividades extrativas insustentáveis, incluindo exploração madeireira, mineração, projetos energéticos e monoculturas. Graeme Kennedy / Getty
Onde quer que a natureza, a terra e os ecossistemas estejam ameaçados, os defensores e as suas comunidades também estarão. A América Central é prova disso. Durante pouco mais de uma década, os defensores dessa região sofreram mais ataques per capita que em qualquer outro lugar do mundo – com 97% ocorrendo nos mesmos três países: Honduras, Guatemala e Nicarágua.
Em 2023, a ameaça se agravou: 36 defensores foram mortos na América Central, quase um em cada cinco dos assassinatos que documentamos no mundo, em uma região com menos de 1% da população mundial.
Quase metade dos mortos na região em 2023 (17) eram defensores indígenas. Dois eram afrodescendentes e oito eram pequenos agricultores. Em um dos assassinatos em Honduras, um jovem de 15 anos foi morto ao lado do pai, que atuava como defensor.
Parentes e amigos se despedem dos professores Iván Mendoza e Abdiel Díaz, mortos a tiros durante um protesto contra uma mineradora canadense no Panamá, 2023. Roberto Cisneros / AFP
Uma pesquisa recente também mostrou que, entre 2012 e 2023, mais de 9 mil defensoras dos direitos humanos foram alvo de ataques na América Central e no México. Quase metade desses ataques foram perpetrados pelo Estado, muitas vezes agindo para proteger os interesses das indústrias extrativas e do crime organizado.
Ao todo, 314 defensores foram assassinados na América Central entre 2012 e 2023. Desses, mais da metade (161) eram indígenas e 18 eram afrodescendentes.
Diante destes números, é essencial perguntar por que alguns países da América Central são tão perigosos para quem busca proteger o planeta – sobretudo para as comunidades indígenas.
Autoritarismo e impunidade
Regimes autoritários asseguram a elites políticas e econômicas impunidade para usar a violência, manter redes de corrupção e garantir o controle sobre os recursos naturais.
O norte da Nicarágua abriga uma das maiores florestas tropicais do hemisfério ocidental, as Bosawás. A área também é o lar de dois dos povos indígenas mais vulneráveis da Nicarágua, os Mayangna e os Miskitos.
Todos os dez assassinatos registrados pela Global Witness na Nicarágua em 2023 foram de pessoas indígenas, assim como 69 dos 70 casos documentados entre 2012 e 2023.
Nos últimos anos, a Nicarágua está perdendo florestas mais rapidamente do que qualquer outro lugar do mundo, e os Mayangna e os Miskitos têm sofrido cada vez mais ataques.
Essa devastação é “facilitada e permitida” pelo governo da Nicarágua, de acordo com grupos de direitos humanos, e um think tank chegou a chamar o “assassinato sistemático” de povos indígenas de uma “uma política não declarada do Estado da Nicarágua para se apropriar de suas terras”.
Ao mesmo tempo, as vítimas da violência estatal não têm acesso à justiça na Nicarágua, onde centenas de pessoas foram mortas durante manifestações que exigiam reformas democráticas em 2018.
Desde então, milhares de ONGs e grupos comunitários foram fechados à força, tornando quase impossível para a sociedade civil se organizar para defender os seus direitos.
Expulsões de comunidades em Honduras são frequentemente ligadas a disputas de terras e narcotráfico. O país tem a maior taxa de homicídios de defensores per capita no mundo. Spencer Platt / Getty
Crime organizado e corrupção
Desde meados da década de 2000, a América Central é uma importante rota de tráfico de drogas da América do Sul para os Estados Unidos e a Europa. Essa localização estratégica, combinada a uma ampla militarização e medidas de repressão às drogas, obriga os traficantes a se esconderem, colocando os defensores em um risco imenso.
As políticas de proibição das drogas não foram capazes de reduzir os fluxos globais de narcóticos, mas conseguiram empurrar os traficantes para áreas de mata e regiões remotas. Quando instalados, os traficantes destroem os ecossistemas e aterrorizam as comunidades locais, construindo pistas de pouso e estradas ilegais para movimentar as cargas, além de abrir pastagens e usar a pecuária para lavar dinheiro.
As leis que protegem os direitos indígenas e comunitários à terra e à soberania são vitais para aumentar a resiliência local contra grupos criminosos organizados.
Contudo, o poder econômico dos traficantes também prejudica a governança de modo amplo. Parte do faturamento dos criminosos é reinvestida na corrupção para comprar impunidade e facilitar o fluxo de entorpecentes.
O resultado é a corrosão das instituições que deveriam fazer cumprir as leis ambientais e do próprio sistema de justiça, que deveria garantir a responsabilização pelos danos. Isso aumenta ainda mais os riscos enfrentados pelos defensores e enfraquece os esforços para protegê-los.
Honduras é o país mais mortal da América Central
Um exemplo extremo é Honduras, que frequentemente aparece entre os países mais perigosos do mundo para os defensores em termos de homicídios per capita. Em março de 2024, um ex-presidente do país, Juan Orlando Hernández,foi condenado por formação de quadrilha em um esquema que levava cocaína para os Estados Unidos.
Hernández foi presidente de 2014 a 2022, grande parte desse tempo com o apoio intenso dos EUA. Os promotores argumentaram que Hernández tinha transformado Honduras em um “narcoestado”, onde os tentáculos da corrupção alcançavam os mais altos escalões do poder.
Conflito histórico e militarização
Vários países da região, incluindo Guatemala e Nicarágua, foram devastados por longas e sangrentas guerras civis.
Esses conflitos remontam à Guerra Fria. Em 1954, a Guatemala mergulhou em uma ditadura depois que um golpe arquitetado pela CIA destruiu sua recente democracia. Seis anos depois, o país foi engolido por uma guerra civil que durou 36 anos.
No seu auge, as forças governamentais cometeram atos de genocídio contra cinco grupos indígenas maias, de acordo com uma comissão da verdade apoiada pela ONU.
A guerra civil deixou instituições importantes da Guatemala sob controle de redes criminosas com laços estreitos com militares poderosos. Esses grupos continuam a exercer enorme influência até hoje.
Nos últimos quatro anos, mais de 50 defensores dos direitos humanos, promotores, juízes, defensores da luta contra a impunidade e jornalistas foram forçados a fugir do país devido a processos penais infundados, movidos contra eles pelo ministério público do país.
Muitas das queixas-crime utilizadas para atacar os líderes da luta contra a impunidade foram apresentadas por uma ONG de extrema-direita, a Fundação Contra o Terrorismo, dirigida pelo filho de um general que teria participado de atrocidades durante a guerra.
Seguranças particulares vigiam a barragem de Agua Zarca, em Honduras. O chefe de segurança da barragem foi um dos sete presos pelo assassinato da defensora indígena Berta Cáceres, morta em casa após anos de ameaças. Giles Clarke / Global Witness
Exploração corporativa
Para agravar a situação, há décadas a América Central está sujeita a atividades extrativas insustentáveis, incluindo exploração madeireira, mineração, projetos energéticos e monoculturas.
Repetidamente, empresas multinacionais se aliaram a elites nacionais nefastas para atropelar os direitos comunitários e os procedimentos de consulta. As comunidades que resistiram e tentaram defender suas terras e recursos enfrentaram repressão violenta e morte.
Em 2023, acontecimentos no Panamá demonstraram claramente essa realidade. Os planos de conceder a exploração de uma mina de cobre a uma empresa canadense nas profundezas das florestas panamenhas provocaram protestos nacionais que duraram mais de um mês e paralisaram o país.
Os protestos foram liderados por grupos indígenas, sindicatos e cidadãos preocupados com a poluição, o desmatamento e a escassez hídrica.
A mina era descrita como um projeto emblemático que fortaleceria a economia local. Contudo, as atividades se revelaram catastróficas e foram encerradas pela suprema corte do país. As consequências também foram trágicas: quatro defensores foram mortos na repressão aos protestos, dois atropelados e dois baleados à queima-roupa.
Manifestante protesta contra um polêmico projeto de mineração de cobre na Cidade do Panamá, 2023. Os protestos duraram vários meses e custaram a vida de quatro defensores do meio ambiente. Roberto Cisneros / AFP
Os impactos devastadores para os povos indígenas e as comunidades locais quando processos de consulta não são respeitados vêm sendo amplamente divulgados há anos.
À medida que o mundo acelera os esforços para abandonar os combustíveis fósseis e começa a extrair os metais necessários para uma economia mais verde, é essencial garantir que não repetiremos os erros do passado.
Todos os exemplos acima ilustram as profundas reformas estruturais necessárias para tornar a América Central segura para os defensores. Sem instituições funcionais, governança eficaz e um Estado de direito básico, qualquer avanço nessa região conturbada será isolado, frágil e fácil de reverter.
A construção de alicerces sólidos exige uma mudança fundamental, incluindo o afastamento da guerra às drogas, que canalizou grande riqueza e influência para as mãos de atores criminosos e promoveu corrupção e impunidade generalizadas, sem conseguir interromper o fluxo de narcóticos.
Esforços para alcançar essa mudança estão ganhando força, com especialistas em direitos humanos da ONU, a Anistia Internacional e políticos em ambas as pontas da cadeia de comércio de narcóticos pedindo por mais reformas. A sociedade civil, os defensores de novas políticas públicas e dos direitos humanos nas Américas precisam se unir para apoiar essa mudança radical.
Outra oportunidade para gerar mudanças é o Acordo de Escazú – o primeiro tratado regional sobre meio ambiente e direitos humanos na América Latina e no Caribe – um instrumento juridicamente vinculativoque inclui disposições sobre defensores do meio ambiente.
O Acordo de Escazú entrou em vigor em abril de 2021 e visa garantir ao público o direito de acessar informações ambientais e participar da tomada de decisões sobre esse tema. Ademais, ele exige que os estados previnam e investiguem ataques contra defensores do meio ambiente.
Até agora, cinco países da América Central assinaram o acordo, e destes, três o ratificaram. Apesar de ter o maior número de ataques per capita, Honduras ainda não assinou o documento.
Além do comprometimento de todos os países da região, devemos fazer mais para assegurar que o acordo seja efetivamente implementado e reforçado de forma robusta em nível nacional.
Familiares examinam fotografias de Ricardo Arturo Lagunes Gasca, advogado de direitos humanos que desapareceu com o líder indígena Antonio Díaz Valencia após participar de uma reunião comunitária em San Miguel de Aquila, México. Luis Rojas/ Global Witness
Desaparecimentos forçados são uma forma particularmente cruel de ataque a defensores, deixando as famílias em um estado permanente de incerteza e ausência de justiça.
Presos no limbo: a luta contra a impunidade e os desaparecimentos forçados
Ricardo Lagunes e Antonio Díaz trabalhavam juntos para proteger a comunidade de San Miguel de Aquila, no México, de anos de abusos cometidos pela gigante mineradora Ternium. Em janeiro de 2023, ambos desapareceram à força. Nenhum deles jamais foi encontrado.
Situada numa região montanhosa do estado de Michoacán, San Miguel de Aquila está rodeada por florestas de pinheiros e carvalhos que se estendem até o Oceano Pacífico. Mas a verdadeira riqueza está abaixo da superfície: essas montanhas contêm enormes quantidades de minério de ferro.
Décadas de extração transformaram Michoacán em um dos lugares mais perigosos do México. Pelo menos 21 defensores da terra e do meio ambiente desapareceram ou foram assassinados em Michoacán entre 2012 e 2023.
As relações entre as comunidades e a Ternium – uma das maiores produtoras de aço da América Latina – são tensas e agravadas pela presença de criminosos organizados e narcotraficantes que lutam pelo controle do território.
Há muita coisa em jogo: a produção de aço é extremamente lucrativa, rendendo à mineradora vendas globais de 17,6 bilhões de dólares somente em 2023.
Desaparecimentos forçados: as implicações reais para os defensores
A Convenção Internacional das Nações Unidas para a Proteção de Todas as Pessoas contra o Desaparecimento Forçado, que entrou em vigor em 2010, define um desaparecimento forçado como “a prisão, a detenção, o sequestro” ou outra forma de “privação de liberdade” por “agentes do Estado ou por pessoas ou grupos agindo com a autorização, apoio ou aquiescência do Estado, e a subsequente recusa em admitir a privação de liberdade ou a ocultação do destino ou do paradeiro da pessoa desaparecida, privando-a assim da proteção da lei”.
Essa definição aparentemente padrão dá margem para um angustiante limbo jurídico. As famílias dos defensores desaparecidos à força enfrentam a incerteza de não saber se a pessoa está viva ou morta e, com isso, ficam sem saber o que fazer.
A incerteza muitas vezes se estende também à existência ou não de investigações oficiais. O desaparecimento de Ricardo e Antonio ilustra claramente que quanto mais as famílias tentam descobrir sobre as investigações oficiais, mais obscuras se tornam as informações. Nas palavras de Antoine, irmão de Ricardo: “Tentamos quebrar esse silêncio em volta dos desaparecimentos, mas é muito difícil”.
Antoine Lagunes segura uma foto de seu irmão Ricardo Lagunes, que desapareceu junto com Antonio. Luis Rojas / Global Witness
Os lucros da mineração acarretam enormes custos para o meio ambiente e o clima. Grandes minas a céu aberto e enormes quantidades de água e combustíveis fósseis são necessárias para extrair minério de ferro e fabricar aço. No geral, o setor siderúrgico contribui com cerca de 8% das emissões globais de carbono.
No entanto, a demanda global por aço deve crescer ainda mais, mesmo enquanto o mundo debate o custo ambiental dos metais utilizados na transição verde.
A Ternium – empresa constituída em Luxemburgo e subsidiária do grupo ítalo-argentino Techint – iniciou suas operações em Michoacán em 2005. Durante anos, a comunidade expressou seu descontentamento com a forma como a Ternium atuava, protestando contra os impactos ambientais e os benefícios muito limitados que a comunidade recebia das operações de mineração.
Em Aquila, México, as imensas operações de mineração da Ternium estão redesenhando o meio ambiente e a comunidade local. A mineração alimentou o conflito intercomunitário e a presença do crime organizado na região. Heriberto Paredes
Quando as operações se expandiram em 2019, Antonio Díaz já estava profundamente insatisfeito. Professor e líder respeitado, ele passou anos tentando garantir que a mina Las Encinas – que produz 1,9 milhão de toneladas de pelotas de ferro por ano – beneficiasse a comunidade local e que a Ternium respeitasse os acordos que havia feito.
Preocupado com o impacto da mineração na região, nas comunidades e nos meios de subsistência, Antonio, em nome da maioria dos membros da comunidade, convocou eleições de liderança para estabelecer uma autoridade agrária legítima.6 O objetivo era alcançar maior reconhecimento perante a lei, defender seus direitos territoriais e renegociar as condições sob as quais a mina funcionava.
Além disso, a intenção era pôr fim a anos de conflito entre alguns membros da própria comunidade. A Ternium sempre alegou que os conflitos locais se deviam a problemas internos da comunidade, mas os membros dizem que foram causados pela interferência indevida da empresa na vida comunitária.
A expansão da mina alimentou ainda mais essas tensões internas, e foi então que Antonio decidiu unir forças com o renomado advogado de diretos humanos mexicano Ricardo Lagunes para questionar a legitimidade dos representantes não-oficiais da comunidade de Nahua.
Ambos conheciam os perigos da empreitada. Segundo testemunhas, Ricardo já havia enfrentado ameaças de morte por causa de sua atuação na proteção dos direitos indígenas. Como resultado de trabalhos anteriores na defesa de terras indígenas nos estados de Chiapas e Oaxaca, ele recebeu do governo mexicano medidas de proteção no âmbito do mecanismo de proteção aos defensores.
Essa defesa dos direitos humanos impactou Antonio e Ricardo, além de suas famílias e outros membros da comunidade que apoiaram seu trabalho. Durante os quatro anos seguintes, ambos foram seguidos e ameaçados por homens armados.
Durante uma assembleia comunitária em dezembro de 2022, com a presença de gestores da empresa, Antonio e Ricardo ouviram ameaças de que “sumiriam com eles” caso continuassem a se manifestar contra a Ternium.
Em uma carta enviada em dezembro de 2022 ao então presidente mexicano, Andrés Manuel López Obrador, Antonio acusou a Ternium de pagar grupos armados para atacar e reprimir membros da comunidade Aquila.
Apesar desses desafios, a comunidade uniu forças para reeleger uma nova autoridade agrária comunitária e renegociar acordos de royalties.
Um mês depois, Antonio e Ricardo foram levados. Na noite de 15 de janeiro de 2023, o carro deles foi encontrado abandonado e com os pneus furados em Colima, perto da fronteira do estado com Michoacán. Eles voltavam de uma reunião comunitária quando foram atacados.
Fotografias e documentos pessoais de Antonio. Luis Rojas / Global Witness
Há mais de um ano, suas famílias tentam desesperadamente encontrá-los, mas ninguém parece saber de nada.
O Ministério Público mexicano não considerou o trabalho de Antonio e Ricardo na defesa da terra e do meio ambiente como uma possível via de investigação dos desaparecimentos.
“Não nos passam nenhuma informação sobre meu irmão, é uma verdadeira tortura para nós,” diz Ana Lucía, irmã de Ricardo. “Estamos tentando seguir em frente e manter a saúde para continuar, porque não sabemos quando isso vai acabar. Mas não vamos parar de procurar – não esquecemos nem por um segundo que ele não está aqui. E que fizeram alguma coisa com ele. Isso está deixando todo mundo louco”.
O Gabinete do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH) relatou o fracasso do México na implementação integral de protocolos específicos para investigar desaparecimentos de defensores dos direitos humanos. Essa falta de ação potencializa o impacto da impunidade nas famílias e só aumenta sua ansiedade e medo.
É como se eles tivessem sido engolidos pelo México. É assim que eu vejo, pois eles simplesmente desapareceram
Keivan Díaz, neto de Antonio Díaz
Os desaparecimentos de Ricardo e Antonio não são os primeiros ataques contra defensores comunitários e líderes indígenas que se opõem às atividades de mineração em Michoacán.
novembro de 2013, três representantes da comunidade de Aquila desapareceram depois de apresentar uma queixa às autoridades agrárias locais, acusando a Ternium de não cumprir sua parte do acordo. Meses depois, seus corpos foram encontrados.
Uma pesquisa recente mostrou que, em todo o México, 93 defensores da terra e do meio ambiente desapareceram entre 1º de dezembro de 2006 e 1º de agosto de 2023. Mais de 40% deles nunca foram encontrados.
A Ternium destacou a deterioração da segurança em Aquila, onde fica a principal operação de mineração de Las Encinas, culpando o aumento da violência pela expansão territorial de criminosos organizados que buscam explorar recursos econômicos.
O minério de ferro extraído de minas exploradas ilegalmente em Michoacán e no estado vizinho de Jalisco contribui para os lucros do crime organizado. Os pagamentos de royalties recebidos pela comunidade de Nahua foram sujeitos a extorsão, e muitos na comunidade culparam a Ternium por revelar detalhes sobre os pagamentos e colocar sua segurança em risco.
O risco é tão alto que a comunidade de Nahua criou uma força policial comunitária para tentar se proteger.
Keivan Díaz segura uma foto de seu avô, Antonio Díaz, desaparecido em 2023. Luis Rojas / Global Witness
“O desaparecimento forçado de Ricardo e Antonio está diretamente ligado ao seu trabalho como defensores dos direitos humanos”, afirma Antoine. “Tanto o governo quanto o crime organizado tiveram um papel nessa história”.
A situação não melhorou desde o desaparecimento de Ricardo e Antonio. Três meses depois do desaparecimento dos dois, o ativista antimineração Eustacio Alcalá também desapareceu e foi encontrado morto dois dias depois.
Eustacio era um líder indígena Nahua em San Juan Huitzontla, a 20 km de San Miguel de Aquila, que também se opôs à mina Las Encinas. Sua comunidade havia entrado com um mandado de segurança contra seis concessões de mineração feitas a duas empresas, uma delas subsidiária da Ternium.
Não há provas que confirmem que a Ternium ou seus funcionários tenham ordenado ou executado qualquer desaparecimento forçado de defensores da terra, mas a presença de vastas atividades de mineração de ferro na região contribuiu para criar um microcosmo de interesses concorrentes, com a expansão territorial do crime organizado e o agravamento da violência.
Ana Lucía Gasca Boyer (mãe de Ricardo) abraça um ente querido em um protesto em memória dos desaparecidos, Cidade do México, 2023. Luis Rojas / Global Witness
Não se pode minimizar o impacto a longo prazo dos desaparecimentos. Quando um líder como Antonio é eliminado sem deixar vestígios, o medo se espalha e paralisa comunidades inteiras, que podem levar gerações para se recuperar. O fim do apoio jurídico prestado por advogados como Ricardo também limita as vias legítimas para os defensores da terra e do meio ambiente procurarem reparação.
Os desaparecimentos parecem fazer parte de um arsenal mais amplo utilizado para dissuadir as comunidades de manifestar sua oposição a projetos de mineração.
“Um desaparecimento muda tudo, destrói tudo: seus objetivos, seus projetos, sua vida”, conta o neto de Antonio, Keivan Díaz. “O estrago não acaba com o desaparecimento. Na verdade, é aí que tudo começa. Eu me pergunto desde o primeiro dia onde ele está, o que aconteceu com ele, o que aconteceu com Ricardo. É só isso que eu quero saber”.
A filha de Antonio, Brenda, compartilha desse sentimento. “Eu gostaria que o mundo inteiro visse a destruição que a mineração está causando em Aquila – ao meio ambiente, a todos nós. Eu gostaria que todo mundo visse como a água do rio sumiu, assim como meu pai e Ricardo. A Ternium é líder mundial na mineração de ferro e é uma força poderosa no México. Eles deveriam usar esse poder para trazê-los de volta”.
Há inúmeras histórias de coragem de defensores que gostaríamos de contar, mas não podemos.
No mundo todo, aqueles que se opõem a abusos contra suas casas e suas terras são recebidos com violência e intimidação. No entanto, a verdadeira extensão desses ataques é desconhecida.
Muitos assassinatos não chegam a ser notificados. O medo de retaliação impede que as famílias busquem justiça, e as comunidades são coagidas a ficar em silêncio. Jornalistas se tornam alvos. Histórias são enterradas, encobertas, apagadas.
Frequentemente, temos pouquíssimas informações sobre determinado caso. Muitos defensores permanecerão anônimos, seus sacrifícios não serão reconhecidos e suas histórias de enfrentamento não serão contadas.
Apenas uma porcentagem assustadoramente baixa de casos resulta na responsabilização de seus executores. Algumas famílias talvez nunca encontrem justiça ou encerramento, nem se sintam seguras o suficiente para se manifestar. A verdade é obscurecida por um sistema de cumplicidade: espaços cívicos comprometidos, corrupção generalizada e sistemas jurídicos disfuncionais.
O apagamento também é uma forma de ataque.
Continuaremos lutando contra o silenciamento estrutural dos defensores da terra e do meio ambiente e de seu trabalho vital.
Jonila Castro é libertada e consolada por amigos após seu sequestro e detenção, supostamente pelo exército filipino, por um total de 17 dias em setembro de 2023. Raffy Lerma / Global Witness
Na Ásia, governos e outros atores estão utilizando sequestros como forma de silenciar e intimidar quem se manifesta contra os danos causados por grandes empresas.
Mentiras fabricadas e confissões forçadas: o silenciamento de defensores na Ásia
Jhed Tamano e Jonila Castro são jovens defensoras do meio ambiente que vivem na Baía de Manila, nas Filipinas.
Jhed, de 22 anos, é coordenadora do programa comunitário e religioso para a Baía de Manila do Fórum Ecumênico dos Bispos, e Jonila, de 23 anos, trabalha na defesa dos recursos hídricos na Rede Popular para o Meio Ambiente de Kalikasan.
Ambas são conhecidas por sua oposição a megaprojetos de aterramento da Baía de Manila, incluindo a construção do novo aeroporto internacional de Manila, com custo estimado em 15 bilhões de dólares.
O projeto do aeroporto deslocou centenas de famílias, destruiu habitats críticos para o clima e devastou a vida silvestre, conforme relatou a Global Witness em 2023.
Em 2 de setembro de 2023, enquanto Jhed e Jonila estavam trabalhando com comunidades de pescadores, elas foram violentamente sequestradas por homens armados.
Suspeita-se que militares tenham participado do sequestro.
Em toda a Ásia, governos utilizam cada vez mais essas táticas para silenciar e intimidar quem se manifesta contra os danos causados por empresas. Jhed e Jonila descreveram sua experiência com suas próprias palavras.
Nosso sequestro só serviu para nos lembrar da nossa força. Estamos mais determinadas que nunca a combater a injustiça
Jhed Tamano e Jonila Castro, jovens defensoras do meio ambiente
“A entrevista coletiva estava lotada. A grande mídia e estações de rádio famosas vieram nos ver. Alguns de nossos colegas e apoiadores também vieram, mas ficaram do lado de fora – não foram autorizados a entrar. Ninguém conseguia acreditar que ainda estávamos vivas. Nem nós mesmas. Estávamos desaparecidas há 17 dias.
"Mas aquela entrevista coletiva foi uma armação. O governo, nosso próprio sequestrador,No dia 2 de setembro organizou a coletiva para tentar nos tachar publicamente de rebeldes comunistas – coisa que nunca fomos. Antes da entrevista, recebemos algumas páginas com a história “oficial” que deveríamos contar e as respostas que deveríamos dar.
"Em vez disso, dissemos a verdade.
Jonila Castro, 21 (esquerda), e Jhed Tamano, 22 (direita), trabalhavam na defesa de comunidades contrárias a projetos de aterro da Baía de Manila quando desapareceram, em 2 de setembro de 2023, perto da capital, Manila. Raffy Lerma / Global Witness
"E a verdade é que choveu no dia 2 de setembro. Era nosso segundo mês como voluntárias e fomos visitar comunidades de pescadores impactadas pelos novos projetos na Baía de Manila. Vimos de perto como funciona o processo de construção de um aterro. A criação de imensos bancos de areia nas águas da baía estava devastando os meios de subsistência das pessoas e o meio ambiente ao seu redor.
"Tínhamos passado um tempo com pescadores aflitos que queriam conscientizar a população, mas estavam preocupados em se manifestar. Entendíamos bem a preocupação dos pescadores, já que nós duas também estávamos na mira. Alguns militares e o órgão governamental anticomunista foram até nossa casa e ameaçaram nossos familiares.
"Por algumas semanas, tivemos certeza de que homens estavam nos observando a distância e fazendo perguntas sobre nós. Um deles chegou ao ponto de tirar nossa foto sem nossa permissão. Mas naquele momento estávamos lá na comunidade, concentradas no nosso trabalho.
"Por causa da chuva, decidimos ficar e comer com os membros da comunidade. Já estava ficando tarde quando nos despedimos e começamos a atravessar uma ponte para nosso próximo destino.
Sentimos um arrepio quando percebemos que era o mesmo homem que havia tirado nossa foto. Toda mulher consegue entender o medo de ser seguida
Jhed Tamano e Jonila Castro, jovens defensoras do meio ambiente
"Mais tarde, soubemos que o homem que tirou nossa foto estava parado perto da ponte. Ele vinha nos seguindo. Sentimos um arrepio quando percebemos; mulheres de todos os lugares conhecem o medo de serem seguidas. Depois de caminhar por alguns minutos, tudo aconteceu muito rápido.
"Um carro parou ao nosso lado e quatro homens armados nos forçaram a entrar. Enquanto o motorista arrancava em alta velocidade, eles revistaram nossas mochilas – sim, eles realmente acharam que poderíamos estar armadas! Eles nos vendaram e taparam nossa boca.
"Tentamos gritar na esperança de que alguém pudesse ouvir, e foi então que um dos sequestradores ameaçou nos dar um soco na cara se não ficássemos quietas.
"Em poucos minutos, nos demos conta de que esses homens eram militares. Eles sabiam demais: conheciam nossas famílias, nossos endereços. O tempo todo, diziam que queriam apenas nos trazer de volta para uma “vida normal”, como se nossa vida atual fosse perigosa – exacto por este momento. A profunda ironia desses comentários claramente passou despercebida por eles.
"Fomos levadas para uma chamada casa segura, mas ali nos sentimos tudo, menos seguras. Todo mundo nas Filipinas sabe que “casas seguras” são um código para instalações de detenção secretas. Foi lá que começaram os interrogatórios, e parecia que nunca teriam fim. Passamos a noite lá, apavoradas.
"Na manhã seguinte, fomos transferidas para outro local e separadas.
Jonila Castro relembra os detalhes do sequestro dela e de Jhed em entrevista à Global Witness. Raffy Lerma / Global Witness
"Fomos submetidas a tortura psicológica, chantagem emocional e ameaças de morte. Nossos sequestradores passaram de uma agressividade passiva para a hostilidade total. Disseram que iriam cortar nossa língua fora. Disseram também que tínhamos sorte de ainda não termos sido violentadas sexualmente. Disseram que sabiam que tínhamos familiares jovens que amávamos.
"A pior parte foi quando disseram a cada uma de nós que a outra havia “se rendido”, prometido parar com o trabalho de defesa de direitos e revelado o nome de outras pessoas envolvidas.
"É disso que as comunidades das Filipinas têm mais medo. Ser acusado ou chamado de terrorista comunista é mortal. Nenhuma de nós acreditou, mas sentimos a pressão – e percebemos como era possível desabar. O medo e o instinto de sobrevivência entraram em ação.
"Não nos deixamos abater. Sabíamos que eles precisavam acreditar que estávamos cooperando. Foi emocionalmente exaustivo e extremamente estressante – estávamos ansiosas com o que poderia acontecer se fôssemos pegas mentindo. Mas eles acreditaram em nós.
"É estranho conviver tantos dias com seus sequestradores. Você acaba desenvolvendo um relacionamento complexo. Às vezes eles eram legais, perguntando o que gostaríamos de comer e por que viramos ativistas. Falavam sobre a própria família e suas aspirações. Quase sentimos pena deles. Mas também sabíamos que militares eram frequentemente acusados de sequestrar e assassinar outros ativistas. Então, também sentíamos uma raiva imensa.
"Nossa vida estava nas mãos deles.
Estávamos decididas a acabar com essa máquina de mentiras a qualquer custo
Jhed Tamano e Jonila Castro, jovens defensoras do meio ambiente
"Cada novo dia trazia novas incertezas sobre o que poderia acontecer. Após 12 dias sem contato com nossos familiares, colegas ou advogados, fomos transferidas para um acampamento militar, onde finalmente nos reencontramos.
"Foi aí que começamos nosso plano. Nós nos comunicávamos secretamente enquanto fingíamos jogar sudoku, trocando bilhetes com estratégias que poderíamos seguir. Primeiro, era preciso sair de lá, então concordamos em assinar uma declaração dizendo que estávamos nos entregando como rebeldes.
"Nossos sequestradores queriam também que déssemos uma entrevista coletiva, onde seríamos desmascaradas e obrigadas a confessar publicamente nossa “rendição voluntária”. Sugeriram, inclusive, que deveríamos visitar escolas para alertar os jovens sobre os perigos do ativismo.
"Concordamos em participar da entrevista coletiva. Mas com nosso plano em mente, decidimos contar a verdade sobre o que havia acontecido. Nós duas sabíamos que era perigoso – poderíamos ser presas ou levadas de volta ao acampamento militar, onde seríamos mortas.
As duas jovens ativistas alegam tortura psicológica, chantagem emocional e ameaças de morte durante o período em que estiveram detidas pelo exército. Raffy Lerma / Global Witness
"Mas essa parecia ser nossa única chance. Estávamos decididas a acabar com essa máquina de mentiras a qualquer custo.
"O que não imaginávamos é que sairíamos daquela entrevista como mulheres livres. Isso só aconteceu por causa do apoio público que recebemos e da indignação que nosso sequestro causou. Muita gente intercedeu a nosso favor: uma deputada progressista, um advogado, um padre e colegas defensores.
"Houve também protestos simultâneos fora do local da entrevista e em várias partes de Manila. Todos ficaram lá por horas, exigindo nossa libertação. Foi um momento vitorioso!
"Por vezes, quase perdemos a esperança, mas depois vimos quanto apoio tínhamos e o incrível poder da ação coletiva como força de mudança.
O governo vem apresentando acusações forjadas e de má-fé contra nós na tentativa de prolongar suas táticas de intimidação
Jhed Tamano e Jonila Castro, jovens defensoras do meio ambiente
"Desde nossa libertação, as ameaças continuaram. O governo vem apresentando acusações forjadas e de má-fé contra nós na tentativa de prolongar suas táticas de intimidação. Nossas famílias e colegas foram ameaçados e assediados. O impacto sobre eles foi enorme.
"Não conseguimos voltar completamente às comunidades e sabemos que elas também estão ameaçadas. Toda a Baía de Manila está. Esses são os impactos invisíveis de ataques planejados para pôr fim ao ativismo comunitário.
"Para nós, a experiência foi transformadora, mas talvez não da forma que se pretendia. Em vez de abandonar nosso trabalho e procurar algo mais tranquilo, o incidente apenas fortaleceu nossa determinação de continuar a proteger o nosso planeta.
"Estamos agora mais conscientes do que nunca de que a pilhagem ambiental e a violação dos direitos humanos continuarão se permitirmos que o sistema atual continue como sempre foi.
"Não podemos deixar isso acontecer. Devemos manter nossa força. E encontramos essa força também na ação coletiva e na justiça. Somos literalmente a prova viva de que isso é possível."
Estamos agora mais conscientes do que nunca de que a pilhagem ambiental e a violação dos direitos humanos continuarão se permitirmos que o sistema atual continue como sempre foi
Jhed Tamano e Jonila Castro, jovens defensoras do meio ambiente
Nas Filipinas, diversos ativistas foram sequestrados desde que o presidente Ferdinand Marcos Jr assumiu o cargo em junho de 2022. Essa tendência faz parte das táticas utilizadas pelas autoridades para intimidar e silenciar as pessoas.
Embora sequestros sejam um método comum de silenciamento de ativistas ambientais em todo o mundo, é muito menos comum que ativistas sequestrados vivam para contar suas histórias, como fizeram Jhed e Jonila.
A tentativa incansável do Estado de silenciar Jhed e Jonila ainda não acabou. Em dezembro de 2023, o Departamento de Justiça apresentou uma acusação de difamação contra elas por “constrangerem e colocarem [as Forças Armadas das Filipinas] em má situação” durante a entrevista coletiva.
Com base nessas acusações, em 2 de fevereiro de 2024 um tribunal de primeira instância aceitou a denúncia. Se forem condenadas, Jhed e Jonila podem pegar até seis meses de prisão.
Em agosto de 2024, o Tribunal de Apelações negou o pedido de medida protetiva, enfraquecendo ainda mais as proteções para as duas mulheres e defensores em todo o território das Filipinas.
A decisão anula uma decisão anterior do Supremo Tribunal Federal, de outubro de 2023, que havia concedido às duas mulheres proteção temporária.
Manifestantes são confrontados pela polícia na reunião do G7 sobre o clima em abril de 2024, após se posicionarem contra o fracasso de governos e empresas em cumprir compromissos climáticos essenciais. Stefano Guidi / Getty Images
Ao longo de 2023, assistimos a um endurecimento global de leis antiprotesto que visam pessoas e grupos envolvidos com o ativismo climático pacífico.
Defensores no banco dos réus: assédio judicial como ferramenta de intimidação
O caso de Jhed Tamano e Jonila Castro é apenas um exemplo de um padrão perturbador de táticas intimidatórias usadas contra defensores. Em todo o mundo, governos estão usando leis para coagir e dissuadir comunidades e indivíduos de protestarem contra a crise ambiental.
A criminalização se tornou uma estratégia-chave para enfraquecer e desestabilizar movimentos de defesa da terra e do meio ambiente, sendo agora a tática mais comum usada para silenciar defensores em todo o mundo.
Embora os contextos jurídicos variem, os mecanismos utilizados por governos e empresas seguem um padrão semelhante, que inclui o apelo a leis destinadas a limitar as liberdades cívicas de indivíduos e organizações.
Polícia mexicana monta guarda em protesto em memória de vítimas de desaparecimentos forçados, Cidade do México, 2023. Luis Rojas / Global Witness
Nos últimos anos, legislações cada vez mais restritivas e draconianas têm sido utilizadas contra manifestantes e ativistas pacíficos, comprometendo seus direitos e prejudicando sua capacidade de participar da ação climática.
Entre 2012 e 2016, mais de 100 leis foram propostas ou promulgadas por governos com o objetivo de dificultar o funcionamento efetivo de organizações da sociedade civil.
Essa tendência continuou na década de 2020, com os Estados impondo mais restrições à capacidade de grupos e pessoas se organizarem, restringindo o espaço cívico.
As leis concebidas para restringir a criação, as atividades ou o financiamento de organizações da sociedade civil têm muitas consequências. O assédio administrativo e judicial afeta o trabalho diário das instituições, limita recursos, mancha reputações e corrói a confiança pública.
Além disso, vários países, incluindo o Reino Unido e os Estados Unidos, aprovaram polêmicas leis antiprotestos, supostamente destinadas a proteger a segurança nacional ou as chamadas infraestruturas essenciais.
Igualmente preocupante é a tendência de agir de má-fé e utilizar leis que não são tipicamente associadas ao ativismo para atingir os defensores, levando a acusações como subversão, associação criminosa, terrorismo e sonegação fiscal. Tudo isso deixa ativistas mais vulneráveis a ataques.
Protestos sufocantes na União Europeia, no Reino Unido e nos Estados Unidos
Governos de todo o mundo também estão tomando medidas para suprimir os direitos de protesto. Direitos fundamentais estão sob ataque na UE, no Reino Unido e nos EUA, e ativistas enfrentam cada vez mais processos judiciais movidos por empresas e governos devido a sua participação em protestos pacíficos.
Milhares de manifestantes foram dispersados à força pela polícia com cassetetes e canhões de água na localidade alemã de Lützerath após protestarem contra a expansão de uma mina de carvão em janeiro de 2023. Sean Gallup / Getty
No Reino Unido, está em curso uma dupla repressão, legislativa e judiciária, a ativistas climáticos pacíficos, após o governo anterior ter aprovado uma série de novas leis que facilitam a criminalização dos ativistas.
Aprovada em abril de 2022, a lei britânica Police, Crime, Sentencing and Courts Act dá à polícia amplos poderes para limitar o direito de protestar, incluindo a capacidade de criminalizar protestos individuais e poderes para prender manifestantes considerados muito barulhentos.
Essa lei também tipifica o crime de 'causar intencionalmente ou imprudentemente perturbação pública' – punível com até 10 anos de prisão.
Entre a aprovação da lei e o fim de 2022, o ministério público local apresentou pelo menos 201 acusações de perturbação pública contra pessoas que participavam de ações de protesto.
Este é um efeito inibidor significativo sobre a sociedade civil e o exercício das liberdades fundamentais
Michel Forst, o Relator Especial da ONU para os Defensores Ambientais
Pouco mais de um ano depois, o governo do Reino Unido expandiu as restrições através da Public Order Act, concedendo à polícia amplos poderes para criminalizar protestos pacíficos que afetam infraestruturas nacionais essenciais, incluindo protestos como passeatas em marcha lenta em vias públicas.
A lei também deu à polícia autoridade quase ilimitada para suprimir qualquer protesto considerado como causador de 'mais do que um pequeno incômodo'.
Essa autoridade ampliada levou à criminalização e prisão de centenas de manifestantes.
No Reino Unido, só em novembro de 2023, a polícia realizou pelo menos 630 detenções durante marchas pacíficas contra novos projetos de petróleo e gás. Entre 2019 e 2022, os dados revelam que a polícia metropolitana prendeu mais de 5.975 ativistas climáticos. Em 2023, ocorreram 1.029 prisões, 897 delas por obstrução de via pública.
Um número crescente de manifestantes ambientais também está sendo condenado à prisão – com mais de 100 manifestantes presos só em 2022.
Os juízes britânicos também estão proferindo as sentenças mais duras dos tempos modernos contra manifestantes. Em novembro de 2023, um manifestante climático pacífico de 57 anos foi condenado a seis meses de prisão por participar de uma marcha lenta em uma via pública no norte de Londres por cerca de 30 minutos.
Oito meses depois, em julho de 2024, cinco ativistas foram condenados por associação criminosa com o objetivo de perturbar a ordem pública após participarem de uma reunião no Zoom sobre um protesto.
Eles receberam o que se acredita serem as sentenças "mais longas de todos os tempos" em um caso de protesto não violento no Reino Unido nos tempos modernos, com quatro dos ativistas recebendo sentenças de quatro anos, enquanto o outro recebeu cinco anos.
Em julho de 2024, manifestantes se reúnem em frente ao tribunal Southwark Crown Court em Londres, enquanto cinco ativistas do Just Stop Oil são condenados às penas de prisão mais longas já impostas por protestos climáticos não violentos no Reino Unido.
As leis que limitam os protestos climáticos também têm se espalhado pelos EUA, com uma série de leis antiprotestos adotadas em vários estados, que permitem a imposição de penas mais severas aos ativistas.
Mais de 20 estados aprovaram leis de proteção de “infraestruturas essenciais”, destinadas a quem se opuser a projetos de combustíveis fósseis.
Embora os poderes variem, muitos estados têm agora o direito de aplicar sanções por invasão e interrupção de operações de infraestrutura, como oleodutos ou centrais elétricas. Isso deixou os manifestantes em risco de serem acusados de crimes – e enfrentar muitos anos de prisão.
Leis semelhantes estão sendo aprovadas em toda a UE. Ativistas estão recebendo penas desproporcionalmente duras por infrações menores e muitos estão sujeitos a uma vigilância draconiana. Há casos de prisões preventivas e pessoas encarceradas antes do julgamento.
Defensores foram presos e detidos em todo o continente europeu, desde a Finlândia e a Holanda até a Sérvia.
Aumento da criminalização, aumento da violência e aumento da censura
Leis restritivas limitaram a capacidade dos manifestantes de exercer seus direitos de forma pacífica. O resultado pode ser um aumento do risco e da violência contra os ativistas. A criminalização dos defensores – como infratores – pode levar ao aumento da violência por parte das autoridades e exacerbar a repressão a grupos marginalizados.
Em janeiro de 2023, Manuel Esteban Paez Terán – também conhecido como Tortuguita – foi baleado por um policial no estado da Geórgia, nos Estados Unidos. O ativista de 26 anos protestava contra a derrubada de uma floresta local para dar lugar a um centro de treinamento policial.
Manifestantes exigem justiça para Manuel Paez Terán, morto pela polícia enquanto protestava pacificamente contra o polêmico projeto "Cop City" em Atlanta, EUA, em janeiro de 2023. Cheney Orr / Reuters
Desacreditando os direitos humanos e os movimentos ambientais
A mídia e os políticos têm um papel importante na disseminação de uma percepção negativa de quem protesta contra o colapso climático.
Em janeiro de 2024, o Relator Especial da ONU para os Defensores Ambientais no âmbito da Convenção de Aarhus, Michel Forst, revelou sua angústia ao ver como os ambientalistas eram menosprezados pelos principais meios de comunicação e políticos do Reino Unido.
O resultado, diz ele, é “um efeito inibidor significativo sobre a sociedade civil e o exercício das liberdades fundamentais”.
Mas a difamação dos defensores da terra e do ambiente não é de forma alguma exclusiva do Reino Unido. Das Filipinas aos Estados Unidos, são criadas narrativas tóxicas e repletas de rótulos prejudiciais a ativistas climáticos, o que compromete o bom funcionamento da sociedade civil.
Os defensores são classificados como extremistas climáticos e considerados ameaças terroristas, num contexto de aumento de perseguição, brutalidade policial e intimidação jurídica.
Narrativas e leis deletérias utilizadas para criminalizar o ativismo funcionam em conjunto para difamar os defensores e tentar dissuadi-los de participar da ação climática, restringindo ainda mais as liberdades democráticas – principalmente opiniões sobre o que constituem protestos justificados.
Na Áustria, ativistas ambientais foram dispersados com spray de pimenta pela polícia, enquanto na França foram espancados e feridos pela tropa de choque. Há relatos de autoridades que grampearam e seguiram ativistas na França e na Alemanha, utilizando poderes legais normalmente reservados a grupos extremistas e criminosos organizados.
As autoridades da Alemanha têm sido particularmente agressivas, com relatos de ataques às casas de ativistas e detenções para impedir a realização de protestos. As autoridades teriam detido pelo menos uma pessoa por até 30 dias sem acusação.
A custódia preventiva de defensores do clima por mais de 24 horas foi aplicada pelo menos 80 vezes ao longo de um período de 18 meses no estado alemão da Baviera.
A censura também se apresenta como tática para limitar o ativismo climático. No Reino Unido, um ativista foi preso simplesmente por mencionar o motivo por trás de sua ação direta.
Manifestantes se reúnem do lado de fora do Tribunal de Magistrados de Westminster, Londres, em 2024, após a prisão de Greta Thunberg por participar de um protesto pacífico. Carl Court / Getty
Em fevereiro de 2023, David Nixon, profissional da saúde e ativista climático de 36 anos, desafiou a ordem de um juiz de omitir qualquer menção às mudanças climáticas na hora de se dirigir ao júri. Ele foi preso depois de participar de um bloqueio pacífico em 2021 em apoio a uma campanha nacional para implementar isolamento térmico em moradias e reduzir emissões.
Ele foi preso por oito semanas por desrespeito ao tribunal.
Em março de 2024, um tribunal de segunda instância proibiu oficialmente os ativistas climáticos da Inglaterra e do País de Gales de utilizarem suas crenças e motivações pessoais como desculpa legal para protestar de forma direta.
No passado, o uso desse argumento pela defesa levou à absolvição de diversos réus, após consideração feita pelo júri.
Agora, com a nova proibição, provas desse tipo apresentadas pelos réus, incluindo sobre os fatos ou efeitos da crise climática de forma mais ampla, seriam “inadmissíveis”.
Ações judiciais estratégicas contra a participação pública (SLAPPs)
Ativistas nos EUA e na UE têm sido alvo de ações judiciais conhecidas como SLAPPs ( litígio estratégico contra participação pública, do inglês strategic lawsuits against public participation). Trata-se de uma forma particularmente insidiosa de intimidação utilizada pelos poderosos para silenciar os seus críticos, muitas vezes através da demonstração de poder financeiro.
Apesar das divisões geográficas, a luta global dos defensores permanece profundamente interligada. Muitas vezes, defensores em diferentes lugares confrontam as mesmas empresas globais, conhecidas por seu histórico negativo em matéria de clima, meio ambiente e direitos humanos.
O Greenpeace enfrenta processos judiciais movidos pela gigante petrolífera Shell no Reino Unido e afirma que esses processos têm como objetivo silenciar seus funcionários por se posicionarem contra as atividades da Shell.
A Shell pediu 1,7 milhão de libras de indenização depois que ativistas ocuparam um navio petroleiro em 2023. Apenas um ano antes, a empresa havia reportado um lucro recorde de 32,2 bilhões de libras esterlinas.
Mulher indígena à beira de um rio no Pará. No Brasil, comunidades indígenas e tradicionais que defendem seus direitos fundiários enfrentam extrema violência decorrente da expansão agrícola de commodities como o óleo de palma. Karina Iliescu/Global Witness
Povos indígenas têm enfrentado violência e marginalização históricos, de maneira que seu conhecimento vital sobre o clima é frequentemente tratado de forma fetichizada, trivializada ou simplesmente ignorado. Essas comunidades são fundamentais para as soluções climáticas e ambientais – por possuírem as ferramentas e o conhecimento necessários – e devem receber os recursos, a proteção e a confiança para liderar o caminho.
De invisíveis a indispensáveis: os conhecimentos dos povos indígenas para combater as mudanças climáticas
Ao redor do mundo, os povos indígenas acumularam sabedoria, conhecimentos e práticas durante milênios. Enraizadas em um profundo respeito pelo mundo natural, suas abordagens sugerem maneiras poderosas e muitas vezes esquecidas de promover a mitigação, a adaptação e a resiliência climática.
O conhecimento dos povos indígenas pode trazer informações sobre a gestão sustentável de recursos, práticas de conservação e estratégias tradicionais de adaptação, que, por sua vez, podem nos ajudar a responder melhor às ameaças representadas pelas mudanças climáticas.
No entanto, em vez de serem ouvidos, os povos indígenas têm sido alvo de ataques violentos. Entre 2012 e 2023, 766 deles foram assassinados, o que representa 36% de todos os assassinatos de defensores ambientais.
No centro dessa violência está uma busca desenfreada por terras, que resulta em grilagem em larga escala para fins de extração e produção de commodities agrícolas, biocombustíveis, minerais e madeira.
Uma declaração recente publicada pela organização Indigenous Peoples Rights International (IPRI) denuncia o aumento da criminalização e dos ataques contra os defensores indígenas que se manifestam contra as imposições de projetos de mineração e energia que violam seus direitos.
Essa dinâmica foi amplamente divulgada e é muito bem compreendida. Contudo, à medida que o mundo avança em direção a uma economia mais verde, corremos o risco de perpetuar esse modelo e, assim, repetir os erros do passado.
Mais da metade dos minerais necessários para a transição energética estão localizados dentro ou perto de terras de povos indígenas e camponeses, que têm o direito de serem consultados antes de qualquer interferência em suas terras.
Grupos indígenas protestam na COP28 em Dubai, em 2023, onde a presença de mais de 2.400 lobistas dos combustíveis fósseis contrastou com a presença de cerca de apenas 350 indígenas. Jasmin Qureshi / Global Witness
Até hoje, a participação significativa dos povos indígenas no espaço das negociações climáticas e nas políticas tem sido limitada.
Eles continuam a ser representados por outros – Estados, acadêmicos, agências multilaterais e ONGs que reproduzem as desigualdades coloniais e reforçam as dinâmicas de poder que inibem o direito dos povos indígenas à autodeterminação.
Além disso, são frequentemente apresentados como comunidades globais vulneráveis e homogêneas. Os relatórios também costumam omitir sua posição única como detentores de direitos coletivos a terras, territórios e recursos.
Como resultado, as soluções climáticas dos governos são inadequadas porque não levam em conta a diversidade dos povos indígenas ou suas diferentes experiências com a devastação climática.
O Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) é o órgão da ONU que analisa a trajetória crescente da crise climática, em três áreas principais: a ciência física das mudanças climáticas, a vulnerabilidade dos sistemas socioeconômicos e naturais às alterações climáticas e opções de adaptação e estratégias de mitigação.
Criado em 1988, fornece aos governos as informações mais recentes sobre o clima utilizadas para desenvolver políticas climáticas.
Além de influenciar as decisões climáticas tomadas por governos e tomadores de decisão, os relatórios do IPCC definem quais vozes têm credibilidade. Porém, essas avaliações se baseiam em formas institucionais de conhecimento que privilegiam evidências socioeconômicas e científicas em detrimento das experiências práticas e diversas dos povos indígenas a nível mundial.
E embora o reconhecimento dos sistemas de conhecimento indígenas tenha aumentado nos documentos oficiais sobre políticas climáticas, sua participação nos principais fóruns do clima (com aproximadamente 350 povos indígenas participando da cúpula climática COP28 em 2023) ainda está muito longe dos 2.456 lobistas dos combustíveis fósseis que compareceram no mesmo ano.
Jenifer Lasimbang e Hindou Oumarou Ibrahim são duas mulheres indígenas de diferentes continentes e culturas que participam ativamente nas negociações climáticas há anos. Elas compartilharam conosco suas experiências e reflexões e apontaram possíveis soluções.
Jenifer Lasimbang no Fórum Internacional dos Povos Indígenas sobre Mudanças Climáticas em 2022 destaca a importância de colocar os povos indígenas em primeiro plano nas discussões climáticas. Mike Muzurakis / IISD/ENB
Jenifer Lasimbang, Indígena Orang Asal da Malásia e Diretora Executiva do Fundo de Solidariedade dos Povos Indígenas da Ásia
“Na Malásia, assim como em muitos outros países, nós, povos indígenas, estamos sujeitos a uma onda de destruição após a outra. Primeiro, vieram as empresas madeireiras e de óleo de palma. Como resultado, quase 80% da superfície terrestre da parte malaia da ilha de Bornéu já foi desmatada ou seriamente danificada.
"Agora, à medida que o mundo se afasta de uma economia baseada em combustíveis fósseis, assistimos a uma corrida por minerais críticos, essenciais para o sucesso na transição para uma economia verde.
"Sendo a Malásia o líder regional na produção de alumínio, ferro e manganês, a extração de minerais raros não é novidade para nós. Mas a nossa experiência também nos ensina que isso tem um enorme custo ambiental.
"O governo da Malásia está emitindo cada vez mais licenças de prospecção e mineração. Sabemos o que essa nova 'corrida verde' significa para nós. Sabemos que vai piorar enquanto a demanda por recursos continuar alta.
"Estamos alimentando um sistema global insustentável e desigual. E será assim enquanto o consumo continuar a crescer sem parar.
"É esse sistema insustentável que estamos questionando, e não o desenvolvimento, como somos frequentemente acusados. O problema é que o que os outros chamam de desenvolvimento não tem cara de desenvolvimento para nós.
Confiem em nós. Deixem-nos liderar. Estamos todos juntos
Jenifer Lasimbang, Indígena Orang Asal da Malásia e Diretora Executiva do Fundo de Solidariedade dos Povos Indígenas da Ásia
"Os povos indígenas têm uma história comum de serem ignorados, atacados e silenciados. Vimos comunidades sendo despejadas de suas terras, vimos nossa soberania sendo sistematicamente enfraquecida e enfrentamos a impunidade violenta após desafiar abusos corporativos.
"Mas não somos vítimas, muito menos um problema a ser resolvido. Na verdade, é o contrário: a história provou que temos razão. Estamos percebendo que não é possível continuar com os níveis atuais de destruição, afinal, estamos destruindo a nós mesmos.
"Embora os povos indígenas tenham sido convidados a participar de discussões mais ativamente nos últimos anos, nossas vozes ainda são marginais – são 'interessantes', mas não essenciais. Os governos precisam colocar os povos indígenas na frente e no centro do debate climático. Afinal, nossos conhecimentos e práticas têm se mostrado eficazes e mais sustentáveis.
"Queremos compartilhar esse conhecimento com o mundo – como iguais. Mas o ônus não deve recair inteiramente sobre nós. Não podemos esquecer que os governos têm o poder de nos conceder direitos sobre nossas terras e recursos. Os governos também podem garantir que esses direitos sejam respeitados. Essas garantias são essenciais para que soluções climáticas mais amplas funcionem.
"Só resta uma coisa a dizer: confiem em nós. Deixem-nos liderar. Estamos todos juntos.”
A ativista e geógrafa Hindou Oumarou Ibrahim, do Chade, defende uma participação mais significativa dos povos indígenas e a utilização de seus conhecimentos e tradições na luta global contra as mudanças climáticas. Brendan McDermid / Reuters
Hindou Oumarou Ibrahim, do povo pastoril Mbororo, Chade, Coordenadora da Associação para Mulheres e Povos Indígenas do Chade e Presidente do Fórum Permanente da ONU sobre Questões Indígenas
“Sejamos claros: a crise climática já é uma realidade. Basta olhar ao nosso redor – desde secas prolongadas e incêndios florestais violentos até inundações devastadoras e aquecimento dos oceanos. Também estamos vendo o custo humanitário.
"Mesmo assim, continuamos negociando, como temos feito há 30 anos – ou até mais tempo, se considerarmos as negociações na Cúpula da Terra de 1992, no Rio de Janeiro.
"O que precisamos urgentemente é passar das negociações climáticas para a ação climática. Temos todos os argumentos e evidências de que precisamos. O que temos cada vez menos é tempo.
"Venho enfrentando desafios intermináveis para ter acesso aos espaços internacionais de negociação climática em que vocês me veem hoje em dia. Eu preencho todos os requisitos do preconceito: sou mulher, negra, africana e indígena. Ironicamente, graças a esse perfil também tive algumas oportunidades.
"Mas não quero ser convidada apenas para que os outros possam dizer que atenderam a critérios de diversidade. Estou aqui para ser ouvida porque meu papel é garantir que os direitos dos povos indígenas sejam respeitados. Estou aqui para falar por quem não teve oportunidade. E, acima de tudo, estou aqui para garantir que o mundo não-indígena entenda.
"Os povos indígenas conseguiram preservar terras e recursos naturais de uma maneira que a maior parte do mundo não conseguiu. O mundo político e o mundo corporativo continuam a atuar da mesma maneira que sempre, e os donos do poder continuam a redigir as leis e as políticas.
"Não é novidade para ninguém que eles têm uma visão de mundo muito estreita; procuram preservar estruturas que os beneficiam e veem a natureza como algo a ser explorado. Queremos conviver em harmonia, mas somos excluídos das conversas sobre como enfrentar as crises ambientais do nosso planeta.
Os povos indígenas conseguiram preservar terras e recursos naturais de uma maneira que a maior parte do mundo não conseguiu
Hindou Oumarou Ibrahim, do povo pastoril Mbororo, Chade, Coordenadora da Associação para Mulheres e Povos Indígenas do Chade e Presidente do Fórum Permanente da ONU sobre Questões Indígenas
"Falando francamente, está claro que os sistemas econômicos e políticos dominantes já nasceram fadados ao fracasso e estão em pleno colapso. Enquanto esses sistemas atenderem ao individualismo e se basearem na competição econômica, os direitos ambientais e humanos continuarão a ser marginalizados. A redistribuição de recursos é fundamental.
"Se vocês quiserem se concentrar em soluções eficazes, aqui estão algumas: dar aos povos indígenas acesso direto a financiamento – e adaptar os sistemas financeiros a nós, em vez de esperar que nos adaptemos a eles.
"Por muito tempo, recebemos migalhas da comunidade internacional: projetos que apoiam a posse e o manejo florestal dos povos indígenas recebem muito menos verbas de doadores que outras medidas climáticas e ambientais, e desse valor apenas 17% vai para organizações lideradas pelos próprios povos indígenas.
"Não é uma questão de caridade. É uma questão de igualdade e confiança.
"Se quisermos evitar a catástrofe climática, devemos mudar os sistemas que marginalizam os povos indígenas. Se os que estão no poder continuarem a ver o mundo de uma forma individualista, baseada na competição, continuarão a minar qualquer esperança de sustentabilidade.
"À medida que a crise climática piora, o mundo finalmente recorre a nós em busca de soluções – mas não como beneficiários iguais. Os líderes globais não devem simplesmente nos procurar para tentar aprender essas soluções, mas sim permitir que mostremos o caminho.”
Revelando as tendências por trás das represálias: Como Estados e empresas podem proteger melhor os defensores
Todos os anos, a Global Witness publica um relatório sobre os assassinatos de defensores da terra e do meio ambiente no mundo. A edição deste ano contém dados referentes a 2023 e descreve diversas estratégias utilizadas para ocultar os ataques contra esses defensores.
As causas de cada represália estão diretamente ligadas a contextos nacionais específicos e são influenciadas pelas dinâmicas de poder local, que definem quem pode defender os direitos dos defensores.
Para proteger os defensores, precisamos que os países documentem sistematicamente os casos de ataques e represálias. Dados novos e melhores sobre esses ataques e suas causas permitiriam aos governos melhorar as leis e mecanismos já existentes. No entanto, considerando os avanços limitados até agora, precisamos urgentemente de maior celeridade.
Mecanismos juridicamente vinculantes, como o Acordo de Escazú , na América Latina, exigem que governos garantam o acesso à informação, à participação pública e à justiça.
Na esfera global, governos e empresas devem agir para dar maior visibilidade aos ataques contra defensores e suas comunidades, com o objetivo de pôr fim a esses episódios de violência.
Governos e empresas também devem ser responsabilizados pela violência e criminalização que defensores da terra e do meio ambiente enfrentam em todo o mundo.
As seguintes recomendações devem ser adaptadas às circunstâncias específicas e ao contexto político de cada país.
Milhares de pessoas se reúnem no Acampamento Terra Livre como parte de uma grande mobilização anual para amplificar a voz e a resistência dos povos indígenas no Brasil. Cícero Pedrosa Neto / Global Witness
Governos e Estados devem:
Criar um ambiente seguro para os defensores da terra e do meio ambiente
Os defensores devem poder exercer livremente suas funções sem medo de perder a vida. Leis e mecanismos existentes para proteger e reconhecer os defensores – ao mesmo tempo em que combatem as causas dos ataques contra eles – precisam ser priorizados e aplicados.
Alguns exemplos incluem a Convenção sobre Acesso à Informação, Participação Pública na Tomada de Decisões e Acesso à Justiça em Questões Ambientais no âmbito da Convenção de Aarhus, o Acordo de Escazú, os procedimentos do Relator Especial da ONU e a Declaração Universal dos Direitos Humanos.
Se leis e políticas dessa natureza não existirem, novos instrumentos e marcos legais vinculantes devem ser criados com a participação dos titulares dos direitos e de especialistas.
Acordos regionais inspirados em Escazú poderiam ser firmados na África e na Ásia e existem esforços em andamento para criar um instrumento jurídico regional para defender e fortalecer os direitos ambientais das pessoas nos países da ASEAN.
Todas as informações relevantes devem ser disponibilizadas às comunidades e às partes interessadas para que elas possam ter protagonismo nas decisões sobre a terra e os recursos naturais.
Novas leis devem incluir proteções para evitar sua utilização indevida como ferramentas de perseguição e criminalização contra os defensores. Além disso, leis já existentes que visam ou criminalizam especificamente os defensores ou manifestantes devem ser revogadas.
Identificar, documentar e analisar sistematicamente os ataques contra defensores da terra e do meio ambiente
Para serem eficazes, leis e políticas públicas de proteção de defensores precisam se basear numa compreensão profunda das realidades e dos desafios que defensores enfrentam. É, portanto, essencial que governos coletem dados sobre as represálias feitas contra defensores.
Essa coleta de dados deve ser transparente e participativa; muitas vezes são os próprios defensores que possuem as informações mais detalhadas sobre as retaliações sofridas. Os dados também devem ser coletados em conformidade com os compromissos dos governos em relação aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável.
Sempre que possível, os dados devem ser detalhados para revelar qualquer violência enfrentada por grupos vulneráveis, como povos indígenas, mulheres e meninas, além de defensores da terra e do meio ambiente.
Sistemas para documentar represálias também devem fazer um monitoramento eficaz da situação, incluindo dos espaços cívicos afetados e dos casos de impunidade associados aos ataques contra os defensores. Esse monitoramento pode ajudar a desestimular novos ataques e a definir soluções eficazes para as represálias.
Facilitar o acesso à justiça
Enquanto as represálias contra os defensores permanecerem impunes, é provável que elas continuem. É por isso que é essencial que defensores tenham acesso a um sistema de justiça imparcial e não discriminatório e que seus direitos fundamentais sejam respeitados.
Isso inclui o direito universal ao consentimento livre, prévio e informado, os direitos dos povos indígenas à sua subsistência e cultura, o direito à vida, à liberdade e à liberdade de expressão e o direito a um ambiente seguro, saudável e sustentável.
Estes são direitos humanos básicos já incorporados em várias leis nacionais e regionais, além de resoluções internacionais não vinculativas.
Voluntários do Movimento Filipino pela Justiça Climática se reúnem em frente ao Departamento de Meio Ambiente e Recursos Naturais para pedir ao governo que declare emergência climática. Cidade de Quezon, Filipinas. Rajiv Villaber / Global Witness
Empresas devem:
Identificar, prevenir, documentar, mitigar e reparar sistematicamente os danos causados aos defensores em suas operações
As empresas devem implementar processos robustos para identificar, prevenir, mitigar e reparar quaisquer danos aos direitos humanos e ao meio ambiente em todas as suas operações, incluindo a realização de devidas diligências em todas as suas cadeias de abastecimento e valor.
Devem utilizar dados sobre ataques, sobre tendências que afetam o espaço cívico e sobre as principais causas de danos como pontos de partida para subsidiar suas decisões empresariais.
As empresas devem levar em consideração os dados coletados por governos, instituições independentes, grupos da sociedade civil e defensores.
As empresas também devem monitorar casos de represálias, identificar riscos estruturais e adaptar suas atividades após a participação efetiva das partes interessadas.
Garantir a conformidade legal e a responsabilidade corporativa em todos os níveis
As empresas devem mostrar tolerância zero a ataques e represálias contra defensores da terra e do meio ambiente, à aquisição ilegal de terras e às violações do direito ao consentimento livre, prévio e informado.
Devem aplicar uma política de tolerância zero em todos os seus níveis de atuação. Devem também estabelecer limites claros para a suspensão ou rescisão imediata de contratos de fornecedores não conformes.
A ativista social Rinchin é uma figura central do movimento "Save Chhattisgarh", na Índia, que apoia comunidades indígenas Adivasi que enfrentam repressão brutal por resistirem a projetos de mineração em larga escala. Ravi Mishra / Global Witness
As Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas e da Convenção sobre Diversidade Biológica devem:
Facilitar o acesso e a participação efetiva dos defensores da terra e do meio ambiente e suas comunidades
As vozes dos defensores, suas experiências e os desafios e riscos que enfrentam devem estar no centro das discussões e negociações sobre o clima e a biodiversidade. Nesse sentido, é preciso escutar as vozes indígenas com atenção.
As Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (UNFCCC) e da Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB) devem reconhecer publicamente o papel crucial que os defensores do meio ambiente têm no combate às mudanças climáticas, na conservação da biodiversidade e na proteção dos ecossistemas.
As Partes devem se comprometer inequivocamente a cumprir suas obrigações em matéria de direitos humanos, de acordo com a Carta das Nações Unidas e o direito internacional referente aos direitos humanos antes, durante e depois das negociações da UNFCCC durante a COP do Clima e da CDB.
A participação dos defensores e das comunidades deve orientar diretamente as ações globais e nacionais no âmbito da UNFCCC e da CDB. Os defensores devem contribuir para a concepção e realização de planos para implementar o Acordo de Paris.
Por exemplo, devem participar do desenvolvimento de planos climáticos nacionais e de programas de transição energética. Todos devem adotar uma abordagem interseccional baseada em direitos humanos para a ação climática.
As Partes da UNFCCC e da CDB devem também garantir que o conhecimento, a experiência e as práticas dos povos indígenas sejam levados em consideração na tomada de decisões climáticas.
Helena Gualinga, ativista indígena do Equador, em um comício pela justiça climática que fez parte da semana do clima de Nova York, em setembro de 2022. Caroline Challe / Global Witness
Recomendações regionais
União Europeia
Uma nova lei da UE chamada Diretiva de Devida Diligência em Sustentabilidade Empresarial (CSDDD) torna obrigatório que grandes empresas realizem processos de diligência de direitos humanos e ambientais em todas as suas cadeias de abastecimento globais.
A CSDDD também dá às comunidades e aos defensores o direito de apresentar queixas e processar empresas nos tribunais da UE se as empresas causarem danos às pessoas ou ao planeta.
Os instrumentos previstos pela lei poderiam ser transpostos de forma robusta e ambiciosa para melhor proteger e capacitar comunidades e defensores afetados.
Veja nossas recomendações:
Estados Unidos
Os EUA dispõem de vários instrumentos legislativos e políticos que poderiam contribuir de forma eficaz para a proteção dos defensores, incluindo as Diretrizes para Apoio à Missão Diplomática dos EUA para a Sociedade Civil e Defensores dos Direitos Humanos.
As Diretrizes descrevem como as missões diplomáticas dos EUA devem ajudar as organizações da sociedade civil e os defensores dos direitos humanos.
Elas devem ser implementadas, promovidas e compartilhadas abertamente pelo governo dos EUA, e devem ser revistas periodicamente de forma independente.
Outra ferramenta importante é a Magnitsky Act, lei que pode impor sanções a cidadãos estrangeiros responsáveis por violações dos direitos humanos ou corrupção significativa, incluindo pessoas físicas e jurídicas responsáveis por cometer violência contra defensores da terra e do meio ambiente.
O Congresso dos EUA também deve aprovar leis robustas em apoio aos defensores da terra e do meio ambiente, como a recentemente aprovada Human Rights Defenders Protection Act.
Deve também garantir que sejam impostas sanções sempre que forças de segurança estiverem envolvidas em ataques flagrantes contra os direitos humanos dos defensores.
Veja nossas recomendações:
A campanha da Global Witness em favor dos defensores da terra e do meio ambiente tem como objetivo acabar com as inúmeras ameaças e ataques sofridos por esses defensores e suas comunidades. Trabalhamos para aumentar a conscientização sobre esses abusos e amplificar as vozes dos defensores em apoio ao seu trabalho e às suas redes.
Definimos defensores da terra e do meio ambiente como pessoas que se posicionam e realizam ações pacíficas contra a exploração injusta, discriminatória, corrupta ou prejudicial dos recursos naturais ou do meio ambiente.
Os defensores da terra e do meio ambiente são um tipo específico de defensor dos direitos humanos – e muitas vezes são os mais visados por seu trabalho.
Nossa definição abrange uma ampla gama de pessoas. Defensores geralmente vivem em comunidades cuja terra, saúde e meios de subsistência são ameaçados por atividades de mineração, extração de madeira, agronegócio ou outras indústrias.
Alguns defendem nossa biodiversidade. Outros apoiam esses esforços por meio de seu trabalho – como advogados de direitos humanos ou ambientais, políticos, guardas florestais, jornalistas ou membros de campanhas ou organizações da sociedade civil, por exemplo.
A Global Witness produz relatórios anuais sobre defensores da terra e do meio ambiente assassinados desde 2012. Documentamos ataques em casos de suspeita razoável ou ligação entre a violência e o ativismo da pessoa.
Nosso banco de dados também inclui desaparecimentos forçados de defensores da terra e do meio ambiente e casos em que a pessoa permanece desaparecida por pelo menos seis meses.
Administramos um banco de dados desses assassinatos para que haja um registro desses crimes e possamos acompanhar as tendências e destacar as principais questões por trás delas.
A Global Witness inclui amigos, colegas e familiares de defensores da terra e do meio ambiente assassinados em seu banco de dados se a) parecerem ter sido assassinados em represália ao trabalho do defensor, ou b) terem sido mortos em um ataque que parecia dirigido a um defensor.
Pesquisa sobre assassinatos e desaparecimentos forçados de defensores da terra e do meio ambiente entre 1º de janeiro de 2012 e 31 de dezembro de 2023:
A Global Witness identifica casos de assassinatos pesquisando e analisando fontes confiáveis de informações online disponíveis publicamente, por meio do seguinte processo:
- Identificamos conjuntos de dados de fontes internacionais e nacionais com detalhes sobre os defensores mortos, como o relatório anual da Front Line Defenders e o relatório anual do Programa Somos Defensores referente à Colômbia. Em seguida, pesquisamos cada caso.
- Utilizamos alertas de mecanismos de pesquisa usando palavras-chave e realizamos outras pesquisas online para identificar casos relevantes em todo o mundo.
- Sempre que possível, contatamos parceiros locais ou regionais para obter mais informações sobre os casos. Trabalhamos com 30 organizações locais, nacionais e regionais em mais de 20 países. Nos esforçamos para expandir nossa rede a cada ano, fortalecendo assim nossos dados e cobertura global.
Para atender aos nossos critérios, um caso deve ser apoiado pelas seguintes informações disponíveis:
- Fontes de informação online publicadas e atuais, com credibilidade.
- Detalhes sobre o tipo de ato e método de violência, incluindo a data e o local.
- Nome e informações biográficas sobre a vítima.
- Conexões claras, próximas e documentadas a uma questão ambiental ou fundiária.
Às vezes, incluímos um caso que não atenda a todos os critérios descritos acima se uma organização local respeitada nos fornecer evidências convincentes e não disponíveis online com base em suas próprias investigações.
É provável que nossos dados sobre assassinatos sejam subestimados, uma vez que muitos assassinatos não são notificados, principalmente em áreas rurais e em alguns países.
Nossos critérios nem sempre podem ser atendidos através da análise de informações públicas, como notícias de jornais ou documentos jurídicos, ou através de contatos locais.
Sabemos que nossa metodologia faz com que nossos números não representem a dimensão total do problema, e trabalhamos constantemente para melhorar isso.
O conjunto de dados da Global Witness é revisado e atualizado anualmente para manter um banco de dados ativo. Assim, sempre que surgem novas informações, podemos adicionar, rever ou desqualificar casos históricos.
Em resumo, os números apresentados neste relatório devem ser considerados apenas como uma imagem parcial da extensão dos assassinatos de defensores da terra e do meio ambiente em todo o mundo em 2023.
Identificamos casos relevantes em 18 países em 2023, mas é provável que ataques contra defensores da terra e do meio ambiente também tenham ocorrido em outros países onde as violações de direitos humanos são generalizadas.
Os motivos pelos quais podemos não ter conseguido documentar tais casos de acordo com nossa metodologia e critérios incluem:
- Presença limitada de organizações da sociedade civil, ONGs e outros grupos monitorando a situação.
- Supressão governamental dos meios de comunicação e de informação.
- Conflitos mais amplos e/ou violência política, inclusive entre comunidades, que dificultam a identificação de casos específicos.
A Global Witness homenageia o trabalho essencial, corajoso e muitas vezes invisível que defensores da terra e do meio ambiente realizam todos os dias, no mundo todo. É graças à determinação dessas pessoas que temos a chance de preservar um planeta saudável para esta e para as futuras gerações. Obrigado.
Nosso trabalho de documentação de ataques a defensores da terra e do meio ambiente só é possível com a generosa ajuda de organizações que trabalham com diligência para registrar os ataques que acontecem nos seus respectivos países.
Este ano, gostaríamos de fazer um agradecimento especial pela ajuda de:
- Aci-Participa, Honduras
- Alliance for Land, Indigenous and Environmental Defenders (ALLIED)
- Alyansa Tigil Mina (ATM), Filipinas
- BASE-IS, Paraguai
- Business and Human Rights Resource Centre
- Centro de Asistencia Legal a Pueblos Indígenas (CALPI), Nicarágua
- Centro de Derechos Humanos Zeferino Ladrillero, México
- Centro por la Justicia y Derechos Humanos de la Costa Atlántica Norte de Nicaragua (CEJUDHCAN), Nicarágua
- Centro Mexicano de Derecho Ambiental (CEMDA), México
- Comissão Pastoral da Terra (CPT), Brasil
- Consejo General Guna, Panamá
- Coordinadora Nacional de Derechos Humanos, Peru
- Front Line Defenders
- Global Rights Advocacy
- Green Advocates International, Libéria
- Human Rights Defenders Alert (HRDA)
- Human Rights Watch
- Iniciativa Mesoamericana de Mujeres Defensoras de Derechos Humanos
- Kalikasan People’s Network for the Environment, Filipinas
- Karapatan, Filipinas
- Natural Justice, África do Sul
- Odevida, Venezuela
- Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Colômbia
- Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos, México
- Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Escritório Regional para o Sudeste Asiático
- Pilex Center for Civic Education Initiative (The Peoples Advocates), Nigéria
- Proética, Peru
- Programa Somos Defensores, Colômbia
- Protection International, Indonésia
- Protection International, Tailândia
- Unidad de Protección a Defensoras y Defensores de Derechos Humanos (UDEFEGUA), Guatemala
- Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA)
- Parque Nacional de Virunga, República Democrática do Congo
Essas organizações trabalham constantemente com povos indígenas e comunidades locais, bem como com ativistas e movimentos de base. Todos estão na linha de frente da luta pela proteção da vida e do meio ambiente. Agradecemos a eles também.
Resource Library
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Land and Environmental Defenders 2024 report: US recommendations (Portuguese)
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Land and Environmental Defenders 2024 report: EU recommendations (Portuguese)
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Resource
Global Witness Land and Environmental Defenders 2024 report - Portuguese
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Land and Environmental Defenders 2024 report: Full recommendations (Portuguese)
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