Os autoproclamados esforços do Facebook para proteger a integridade eleitoral no Brasil não parecem estar surtindo resultados, revela nossa nova investigação, que concluiu que o Facebook não conseguiu detectar desinformação eleitoral em anúncios anteriores às eleições brasileiras de 2 de outubro de 2022. O ambiente no Brasil está tenso, e a crescente ameaça da desinformação – que prejudica os resultados das eleições e pode levar à violência – está prejudicando os processos de campanha.

É um padrão semelhante ao que verificamos em Mianmar, Etiópia e Quênia com relação à incapacidade do Facebook de detectar discurso de ódio em ambientes políticos voláteis. O que é diferente desta vez é que os anúncios possuem conteúdo totalmente falso (como a data errada da votação) e informações destinadas a desacreditar o processo eleitoral, o que prejudica a própria integridade das eleições no país. 

O Facebook divulga suas ações para apoiar a integridade do processo eleitoral e alega ter “operações de segurança avançadas para derrubar campanhas de manipulação e identificar ameaças emergentes”, mas nossa reportagem demonstra claramente que é muito fácil burlar essas medidas de segurança. Considerando tudo o que está envolvido nas eleições brasileiras, o Facebook está fracassando em suas iniciativas de proteger adequadamente os brasileiros de um bombardeio de notícias falsas.
Estamos focados em fornecer informações eleitorais confiáveis enquanto combatemos a desinformação em vários idiomas. - Meta, 2022

Nossa investigação 

Testamos a capacidade do Facebook de detectar desinformação sobre as eleições usando materiais retirados de diversas publicações reais e exemplos destacados em 2021 pela maior autoridade eleitoral do Brasil, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE). 

No total, enviamos dez anúncios em português do Brasil para o Facebook – cinco contendo informações falsas sobre as eleições e cinco que pretendiam deslegitimar o processo eleitoral. Ao realizar a investigação no Brasil, apontado como um dos países prioritários do Facebook para as eleições, pudemos testar se a empresa é capaz de detectar informações falsas tão bem quanto alega.

Para nossa preocupação, todos os exemplos de desinformação eleitoral foram aprovados.

Investimos amplamente em equipes e tecnologias para dar mais segurança às eleições. Desde 2016, triplicamos o tamanho das nossas equipes que trabalham nas questões de segurança e proteção para incluir mais de 35 mil pessoas. Além disso, criamos a central de operações eleitorais para importantes eleições nos EUA, no Brasil, na Índia, na Europa e em outras partes do mundo. Também realizamos melhorias significativas para reduzir a disseminação de desinformação e oferecer mais transparência em relação aos anúncios sobre temas sociais, eleições ou política. - Meta, 2022

Inicialmente, um dos anúncios que enviamos foi rejeitado de acordo com a política sobre “temas sociais, eleições ou política” do Facebook. Mas, apenas seis dias depois, sem qualquer intervenção da Global Witness, o anúncio foi aprovado sem explicação. Essa sequência bizarra de decisões do Facebook levanta sérias dúvidas sobre a integridade de seus sistemas de moderação de conteúdo.

Todos os anúncios que enviamos violavam as políticas da Meta para anúncios eleitorais. O conteúdo claramente continha informações incorretas que poderiam impedir as pessoas de votar – como informações falsas sobre quando e onde votar – métodos de votação (por exemplo, votação por correspondência) e, mais importante, questionavam a integridade das urnas eletrônicas brasileiras. 

É preocupante que não tenha sido preciso verificar a conta usada para publicar os anúncios por meio do processo de “autorizações de anúncios” – o que também viola as políticas da Meta sobre quem tem permissão para fazer anúncios de conteúdo político. Esta seria uma barreira da Meta para tentar evitar interferências nas eleições, mas vimos que ela é facilmente contornável. 

Ao publicar os anúncios, não estávamos fisicamente localizados no Brasil nem usamos uma VPN para mascarar nossa localização – neste caso, postamos os anúncios a partir de Nairóbi e Londres, o que deveria ter emitido sinais de alerta devido ao conteúdo dos anúncios. Tampouco tivemos que colocar um aviso de isenção de responsabilidade “pago por” em nossos anúncios, como seria necessário em anúncios políticos. Além disso, não usamos um meio de pagamento brasileiro para pagar pelos anúncios. Tudo isso levanta sérias preocupações sobre possíveis interferências internacionais nas eleições e revela a incapacidade do Facebook de perceber sinais de alerta evidentes.  

Enviamos a desinformação eleitoral na forma de anúncios porque isso nos permite removê-los antes de serem publicados, enquanto ainda estão sendo analisados pelo Facebook e passando por seu processo de moderação de conteúdo. De acordo com o Facebook, isso geralmente inclui uma análise proativa usando ferramentas manuais e automatizadas. O Facebook elogia seu próprio sistema de avaliação de anúncios dizendo que aplica políticas ‘ainda mais severas’ aos anunciantes.

Um porta-voz da Meta afirmou em resposta às nossas conclusões que "eles estão e têm estado profundamente empenhados em proteger a integridade eleitoral no Brasil e em todo o mundo". Afirmaram que se prepararam muito para as próximas eleições no Brasil, incluindo o lançamento de ferramentas para classificar as postagens relacionadas com as eleições e o estabelecimento de um canal direto para que o Tribunal Superior Eleitoral lhes envie conteúdos potencialmente prejudiciais para revisão. Citaram o número de postagens que foram removidas nas últimas eleições por violarem as suas políticas. A resposta completa está incluída nas notas finais.

Bolsonaro-FB

O presidente brasileiro Jair Bolsonaro utiliza extensivamente o Facebook em sua campanha. O Facebook representa quase metade do uso de redes sociais no Brasil. REUTERS/Sergio Moraes

Por que isso é importante

Os brasileiros vão às urnas no domingo, 2 de outubro de 2022, para eleger seu presidente – a primeira eleição geral desde que Jair Bolsonaro assumiu o poder.

Recentemente, as decisões das maiores empresas de tecnologia do mundo tiveram um grande impacto antes e depois de eleições importantes no mundo inteiro. Este ano, todos os olhos estão voltados para o Brasil. Informações falsas tiveram um papel relevante nas eleições de 2018, e a campanha deste ano já está marcada por relatos de desinformação generalizada, espalhados desde o topo: o próprio Bolsonaro está semeando dúvidas sobre a legitimidade do resultado das eleições e criando temores de uma tentativa de golpe no estilo stop the steal, dos Estados Unidos, em 6 de janeiro.

A questão climática também deve ser discutida na campanha deste ano. O histórico de Bolsonaro na questão do clima pode ser descrito como inadequado, e seus compromissos climáticos parecem ser apenas “da boca para fora”. Há muito pouca transparência sobre o quanto as redes sociais contribuem para o problema da desinformação no Brasil, mas o que os pesquisadores conseguiram identificar é que ‘bolhas de filtro’ nas redes sociais estão alimentando mensagens negacionistas e o ódio contra ativistas climáticos – ao mesmo tempo em que promovem mensagens que fragilizam a confiança dos brasileiros em seus próprios sistemas democráticos.  

Desinformação eleitoral online no Brasil

A desinformação tem tido um papel importante em eleições complexas, sobretudo nas redes sociais, com destaque para exemplos como o referendo do Brexit de 2016 e as eleições americanas de 2016. Nas eleições brasileiras de 2018, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) – a mais alta autoridade eleitoral do Brasil – tornou-se alvo de campanhas de desinformação que visavam enfraquecer a confiança dos brasileiros em seu sistema de votação eletrônica (que existe desde 1996). Desde então, vêm ocorrendo campanhas que tentam deslegitimar o processo eleitoral no país. 

Em 2019, o Brasil criou o Programa de Combate à Desinformação e investigou a desinformação durante as eleições de 2020 através de diversas iniciativas. O programa tornou-se permanente para garantir a eleição presidencial de 2022 e outras. Por meio do Programa de Combate à Desinformação, o TSE mantém um diálogo aberto com as redes sociais, destacando exemplos comuns de desinformação relacionada às eleições.

O Facebook é a rede social mais utilizada no Brasil, com 48,56% de todos os acessos a redes sociais.
Brazilian voting machine

Informações falsas com o objetivo de deslegitimar métodos de votação, como as urnas eletrônicas – em uso desde 1996 – são proibidas pelas diretrizes da comunidade do Facebook, mas todos os anúncios enviados pela Global Witness com o objetivo de deslegitimar o resultado das eleições foram aprovados. REUTERS/Paulo Whitaker (BRAZIL)

O que precisa mudar? 

Está claro que as medidas de integridade eleitoral do Facebook são ineficazes. A Meta deve reconhecer que proteger a democracia não é opcional: é parte do custo de fazer negócios.   

Nossas descobertas em Mianmar, Etiópia e Quênia mostram que os esforços de moderação de conteúdo do Facebook deixam a desejar, o que se confirma agora no Brasil, onde as limitações para publicidade com conteúdo político explícito deveriam ser consideravelmente maiores. Isso confirma também relatos de funcionários dizendo que Zuckerberg não está mais priorizando a proteção das eleições e está concentrado no chamado ‘metaverso’ – a nova fronteira de crescimento da Meta.  

Nossas descobertas também sugerem que o processo de autorização de contas do Facebook – uma medida obrigatória para qualquer pessoa que queira postar anúncios sobre temas políticos ou sociais – é opcional e facilmente contornado. Isso significa que a própria biblioteca de anúncios do Facebook, sua “plataforma mais abrangente de transparência dos anúncios”, não oferece total transparência sobre quem está veiculando os anúncios, o público-alvo, quanto foi gasto e quantas impressões os anúncios receberam. Essas informações são vitais para que pesquisadores, jornalistas e formuladores de políticas possam investigar o que está acontecendo e sugerir intervenções para ajudar a proteger os sistemas democráticos. 

A UE está assumindo a liderança global na regulação das empresas de big tech para exigir uma supervisão mais eficiente, mas as plataformas também devem agir por conta própria para proteger seus usuários de forma plena e igualitária.

Temos o compromisso de proteger as nossas plataformas e oferecer transparência durante as eleições. - Meta, 2022

Exortamos o Facebook a: 

  • Aumentar urgentemente seus recursos de moderação de conteúdo e os sistemas de integridade implantados para mitigar o risco antes, durante e depois das próximas eleições brasileiras – e garantir que os moderadores entendam o contexto cultural apropriado e as nuances da política brasileira. 
  • Fortalecer imediatamente seu processo de verificação de contas de anúncios para identificar melhor aquelas que publicam conteúdo prejudicial à integridade das eleições.
  • Disponibilizar recursos adequados de moderação de conteúdo em todos os seus países de atuação. Isso inclui dar aos moderadores de conteúdo pago um salário justo, apoio psicológico e permissão para que se sindicalizem. 
  • Avaliar, mitigar e publicar rotineiramente os riscos que seus serviços apresentam aos direitos humanos e outros danos sociais em todos os seus países de atuação. 
  • Publicar informações sobre as medidas adotadas em cada país e cada idioma para garantir a integridade das eleições.
  • Apresentar os detalhes completos de todos os anúncios (incluindo público-alvo pretendido, público real, gastos com anúncios e compradores dos anúncios) em sua biblioteca de anúncios.
  • Permitir auditoria independente de terceiros para que a Meta tenha de prestar contas pelo que alega estar fazendo.
  • Publicar sua avaliação de risco pré-eleitoral para o Brasil.
  • Responder às recomendações de políticas de mais de 90 organizações da sociedade civil brasileiras em seu relatório O papel das plataformas digitais na proteção da integridade eleitoral em 2022.
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Os anúncios estavam na forma de uma imagem (texto em um fundo liso) e não foram rotulados como sendo de natureza política.


Pesquisadores interessados em conhecer a redação exata dos exemplos de anúncios políticos que usamos podem solicitar isso de nós escrevendo para [email protected]


A resposta completa do Facebook à nossa carta de oportunidade para comentar:

We cannot comment on these findings as we don't have access to the full report. However, we prepared extensively for the 2022 election in Brazil. We’ve launched tools that promote reliable information and label election-related posts, established a direct channel for the Superior Electoral Court to send us potentially-harmful content for review, and continue closely collaborating with Brazilian authorities and researchers. Our efforts in Brazil’s previous election resulted in the removal of 140,000 posts from Facebook and Instagram for violating our election interference policies and 250,000 rejections of unauthorized political ads. We are and have been deeply committed to protecting election integrity in Brazil and around the world.