A influente cientista, ativista e escritora Dra. Vandana Shiva passou décadas lutando para proteger a diversidade biológica e cultural. Everett Collection Inc/Alamy Stock Photo
Eu posso dizer que, no mundo todo, três pessoas são mortas toda semana ao tentar proteger suas terras e o meio ambiente de forças predatórias. Posso dizer que isso acontece há décadas, e que nos últimos tempos tivemos mais de 200 mortes por ano. Posso dizer também, como diz este relatório, que 200 defensores e defensoras foram assassinados apenas no ano passado. Mas esses números não se tornam reais até ouvirmos os nomes de algumas dessas pessoas.
Marcelo Chaves Ferreira. Sidinei Floriano da Silva. José Santos López. Cada um deles, uma pessoa amada por sua família e por sua comunidade. Jair Adán Roldán Morales. Efrén España. Eric Kibanja Bashekere. Cada um deles, considerado um obstáculo ao lucro de outros. Regilson Choc Cac. Ursa Bhima. Angel Rivas. Cada um deles, morto defendendo não apenas o lugar que amava, mas a saúde do planeta que todos compartilhamos.
É importante imaginar essas vítimas como as pessoas reais que são. É mais fácil para mim. A vida inteira, estive cercada de pessoas defensoras da terra e do meio ambiente e, na verdade, também sou uma delas. Tudo começou nos Himalaias, no norte da Índia, onde meu pai era guarda florestal e minha mãe trabalhava na lavoura. A extração industrial de madeira estava destruindo o ecossistema do qual nós, como seres humanos, dependíamos intrinsecamente. No fundo, sabíamos que o valor das florestas da região não estava na madeira em si, mas na forma como sua extraordinária e abundante diversidade sustenta todas as formas de vida – inclusive a nossa. E assim entramos em rota de colisão com os desmatadores profissionais.
Ao fazer isso, não estávamos apenas nos colocando em perigo. Estávamos confrontando toda uma visão de mundo que acredita que a natureza não é algo a ser valorizado e protegido, mas conquistado e subjugado. Essa visão de mundo tem suas raízes nas revoluções industriais do século XIX no Ocidente ou ainda antes, na teoria científica do chamado 'Iluminismo' ocidental. Seja como for, é uma visão que surgiu no Ocidente. Como mostra este relatório, quase todas as pessoas defensoras do meio ambiente e da terra assassinadas são do Sul Global, mas não é o Sul Global que colhe as supostas 'recompensas' econômicas de toda essa violência.
Ativistas climáticos seguram cartazes ao lado de retratos de defensores ambientais mortos ao participar de protestos por justiça climática em 6 de novembro de 2021, na cidade de Quezon, Filipinas. Ezra Acayan/Getty Images
A conclusão final e mais triste é que esse ponto de vista nos levou à beira do abismo. Não vivemos apenas em uma emergência climática. Rumamos para a sexta extinção em massa, e esses defensores e defensoras são algumas das únicas pessoas no caminho entre nós e a catástrofe. Eles não merecem proteção apenas por motivos morais básicos. É o futuro da nossa espécie e do nosso planeta que está em jogo.
É por isso que é tão importante o apelo feito pela Global Witness neste relatório para que seja oferecida proteção real àqueles que estão na linha de frente dessa tragédia ecológica e humanitária. São essas pessoas que entendem, no nível mais profundo, como o destino da humanidade está entrelaçado com o destino dos lugares naturais que elas defendem e é por isso que estão dispostas a arriscar tudo para defender esses lugares. E é por isso que elas, mais do que ninguém, merecem proteção.
Isso significa que governos nacionais e organizações supranacionais devem se comprometer a denunciar e investigar esses assassinatos e, em última análise, fazer justiça. Significa que os governos devem garantir a proteção das pessoas defensoras, denunciando e investigando seus assassinatos como meio de acesso à justiça. Significa que as empresas devem garantir que suas operações não causem nenhum dano. E é claro que significa que todos nós devemos seguir expondo essas histórias, não apenas para lembrar aqueles que caíram, mas para continuar seu trabalho, tão urgente e necessário, dizendo ao mundo exatamente por que eles foram mortos.
Em 2021, 200 pessoas foram mortas protegendo sua terra e seus direitos. Convido vocês a ler todos os seus nomes e honrar as pessoas assassinadas com sua atenção. Assim, podemos sentir a sua revolta e, então, agir.
Mensagem do nosso diretor executivo, Mike Davis
Quase dez anos atrás, estava em uma reunião, no nosso escritório em Londres, quando uma colega me tirou da sala para me dar uma notícia. Ela não conseguia encontrar as palavras para se expressar, e por isso, fiquei preocupado. Quando finalmente as palavras saíram, eu soube que um de meus antigos colegas no Camboja – membro de uma equipe da qual eu participara alguns anos antes – havia sido assassinado.
Esse ex-colega se chamava Chut Wutty. Quando trabalhamos juntos no Camboja, ele estava investigando a extração ilegal de madeira. Quando fechamos nosso escritório – por causa de ameaças à nossa equipe devido aos seus esforços em prol dos defensores da floresta – Wutty montou sua própria organização. Ele também se tornou – inesperadamente – um líder dos ativistas comunitários que tentavam proteger suas florestas, que além de serem suas casas, também eram seu meio de subsistência. Agora, Wutty estava morto, baleado durante um confronto com membros das forças de segurança e guardas empregados pela empresa que ele investigava por extração ilegal de madeira e apropriação de terras. O governo rapidamente tentou encobrir tudo.
Chut Wutty caminha na província de Koh Kong. Wutty, conhecido ativista anti-madeireiro que ajudou a expor a venda secreta de parques nacionais pelo Estado, foi morto a tiros, 2012, em uma província remota do sudoeste do Camboja. Reuters/Alamy Stock Photo
Embora nós da Global Witness soubéssemos que nossos parceiros facilmente se tornavam alvos de ataque ao defender suas terras e o meio ambiente, o assassinato de Wutty nos obrigou a enfrentar uma série de questões. Qual era a situação global, quais eram as implicações de tais ataques e o que poderia ser feito para evitá-los?
Em todo o mundo, pessoas defensoras do meio ambiente, como os povos indígenas, arriscam a vida na luta contra as mudanças climáticas e a perda de biodiversidade. Ativistas e comunidades têm um papel essencial como primeira linha de defesa contra o colapso ecológico, além de serem pioneiros na campanha para evitá-lo. O objetivo deste relatório é compartilhar reflexões sobre nossa relação com essas questões hoje em dia – dez anos após a morte de Wutty – e fazer um apelo urgente por esforços globais para reduzir os ataques contra os defensores e defensoras.
Este relatório e nossa campanha são dedicados a todas as pessoas, comunidades e organizações que corajosamente se posicionam em defesa de seus direitos, suas terras e do meio ambiente. Duzentos desses defensores e defensoras foram assassinados em 2021 por fazerem exatamente isso. Lembramos aqui seus nomes e celebramos seu ativismo.
Argentina | Elías Garay |
Bolivia | Lino Peña Vaca |
Brasil | Aldenir dos Santos Macedo |
| Alex Barros Santos da Silva |
| Amaral José Stoco Rodrigues |
| Amarildo Aparecido Rodrigues |
| Ângelo Venicius Henrique Mozer |
| Antônio Gonçalves Diniz |
| Eliseu Pedroso |
| F.S.S. |
A ativista ambiental Joannah Stutchbury tenta proteger a floresta de Kiambu, em Nairóbi, Quênia, da especulação imobiliária. Joannah Stutchbury/Facebook
Joannah tinha seiva de árvore correndo nas veias. Apaixonada pelas árvores, era permacultora, ambientalista e conservacionista em tempo integral, além de mãe e matriarca. Tinha uma paixão ardente e inabalável pelo planeta, e era uma figura divertida e cativante, cheia de vida e alegria de viver. Joannah foi morta a tiros ao voltar para casa, nos arredores de Nairóbi, Quênia, em julho de 2021.
Por muitos anos, Joannah se manifestou com paixão e determinação contra grileiros e conhecidos empreendedores privados que começaram a destruir a floresta de Kiambu perto de onde ela morava. Ganhou as manchetes em 2018, quando enfrentou sozinha os desmatadores e, meses antes de ser morta, venceu um processo judicial contra uma empreiteira que queria fazer obras em uma área de floresta.
No dia do incidente, Joannah parou o carro na entrada de casa para retirar alguns galhos que haviam sido colocados ali propositalmente para bloquear sua passagem. Pouco depois, vizinhos a encontraram morta com o motor do carro ainda ligado. Eu rezo para que ela não tenha percebido nada e não tenha sofrido, mas sei que alguém mandou matar essa mulher extraordinária.
Sabemos que ela estava recebendo várias ameaças de morte. Eu me lembro dela dizendo que homens desconhecidos a abordaram para dizer que ela seria morta se continuasse atrapalhando os planos de construir uma estrada através da mata. Mesmo assim, ela não recebeu absolutamente nenhuma proteção policial. Mas isso não a impediu. Ela continuou lutando pelo que acreditava. Pelo que todos devemos acreditar. Ainda hoje, sua bravura e determinação seguem nos inspirando, apesar de toda a tristeza.
Muitas vezes, eu me pergunto em desespero – quantos outros ambientalistas terão sua força vital arrancada até que os governos comecem a prestar atenção e finalmente se posicionem ao lado desses corajosos pioneiros? Legislação e fiscalização são necessárias globalmente para responsabilizar empresas gananciosas, autoridades corruptas, grileiros inescrupulosos e todos os envolvidos com esse dinheiro sujo de sangue.
Joannah era uma alma excepcional – uma mulher vibrante, questionadora e maravilhosa, com a missão de proteger o mundo de inúmeras maneiras. Mas ela também era uma pessoa normal, comum, como você e eu. Ela não tinha outro objetivo além de viver de forma sustentável, compartilhar seus conhecimentos, cuidar das florestas locais e se preocupar com a crise climática e existencial. E ela amava profundamente a mãe-natureza. Lamentaremos para sempre o que nós e o que o mundo perdeu com sua morte.
Recomendações
O governo do Quênia deve:
- Garantir que os responsáveis pelo assassinato de Joannah Stutchbury respondam judicialmente.
- Reconhecer os direitos dos povos indígenas e de comunidades locais que plantam árvores como uma forma essencial e eficaz de proteger as florestas, incluindo a Floresta Kiambu.
- Proteger os defensores e defensoras da terra e do meio ambiente, garantindo uma proteção regulatória eficaz e robusta para o meio ambiente, os direitos fundiários, os direitos dos povos indígenas, seus meios de subsistência e culturas, incluindo a necessidade de consentimento livre, prévio e informado.
- Retirar a proposta de emenda à lei de conservação e gestão florestal de 2016. A emenda enfraqueceria os mecanismos de governança das florestas públicas do Quênia, abriria caminho para a grilagem de terras públicas e levaria à perda de vegetação nativa.
- Em discussões conjuntas com povos indígenas e comunidades florestais, criar um painel consultivo incluindo cientistas climáticos, meteorologistas e ONGs ambientais. Todos eles podem contribuir com experiência e compartilhar dados sobre o que está por vir, à medida que é criado um plano para mitigar as consequências das mudanças climáticas e o aquecimento global.
Tracey West, CEO da Word Forest
Principais conclusões – 2021
A Global Witness registrou 200 assassinatos de defensores e defensoras da terra e do meio ambiente em 2021 – quase quatro pessoas por semana. Esses ataques letais continuam a ocorrer no contexto de diversas ameaças contra defensores que sofrem violência, intimidação, campanhas de difamação e criminalização por parte de governos, empresas e outros. Isso acontece em todas as regiões do mundo e em quase todos os setores.
O México foi o país com o maior número de assassinatos registrados, com defensores mortos todos os meses, totalizando 54 assassinatos em 2021, contra 30 no ano anterior. Mais de 40% dos mortos eram indígenas e mais de um terço do total de casos foram desaparições forçadas, incluindo pelo menos oito membros da comunidade Yaqui.
Enquanto o Brasil e a Índia viram um aumento nos ataques letais de 20 para 26 e de 4 para 14, respectivamente, Colômbia e Filipinas tiveram uma queda nos assassinatos em 2021, de 65 para 33 e de 30 para 19, respectivamente. No entanto, no geral, continuam sendo dois dos países com o maior número de assassinatos no mundo desde 2012.
Mais de três quartos dos ataques registrados ocorreram na América Latina. No Brasil, Peru e Venezuela, 78% dos ataques ocorreram na Amazônia.
Freira segura foto de Herasmo García Grau, defensor e líder indígena. Herasmo foi sequestrado e morto por pessoas ligadas ao tráfico de drogas e à extração ilegal de madeira. Carlos Garcia Granthon/Fotoholica Press/LightRocket via Getty Images
A Global Witness documentou 10 assassinatos na África. A República Democrática do Congo continuou sendo o país com o maior número de ataques – oito defensores foram mortos nesse país em 2021. Todos os oito assassinatos ocorreram no Parque Nacional de Virunga, que continua sendo extremamente perigoso para os guardas florestais que o protegem. A verificação de casos em todo o continente africano continua difícil e é possível que muitos assassinatos não sejam notificados.
Quando o setor pôde ser identificado, pouco mais de um quarto dos ataques letais foram supostamente ligados à exploração de recursos – extração de madeira, mineração e agronegócio em grande escala – e barragens hidrelétricas e outras obras de infraestrutura. No entanto, é provável que esse número seja maior, pois as razões por trás dos ataques a defensores da terra e do meio ambiente geralmente não são devidamente investigadas nem noticiadas. Na maioria dos casos em que o setor não pôde ser identificado, conflitos fundiários foram considerados alguns dos principais motivadores dos ataques contra os defensores. No entanto, em muitos casos, os motivos econômicos por trás da violência relacionada à terra não são relatados. A mineração foi o setor ligado ao maior número de mortes, com 27 casos – a maioria dos ataques ocorreu no México (15), seguido de Filipinas (6), Venezuela (4), Nicarágua (1) e Equador (1).
Em 2021, a desproporção no número de ataques contra povos indígenas continuou, com mais de 40% de todos os ataques fatais direcionados a indígenas, apesar de eles representarem apenas 5% da população mundial. Estes foram documentados predominantemente no México, Colômbia, Nicarágua, Peru e Filipinas.
Guardas do Parque Nacional de Virunga vigiam o território de Rutshuru, ao norte de Goma, no leste da República Democrática do Congo, em 1º de abril de 2022. Oito guardas florestais do Parque Virunga foram mortos em 2021. Alexis Huguet/AFP via Getty Images
A Global Witness registrou 12 massacres, incluindo três na Índia e quatro no México. Na Nicarágua, grupos criminosos massacraram 15 indígenas e defensores dos direitos à terra em episódios de violência sistemática e generalizada contra os povos indígenas Miskitu e Mayangna.
Cinquenta das vítimas mortas em 2021 eram pequenos agricultores, o que mostra como a mercantilização e a privatização de terras para agricultura industrial colocam os pequenos produtores cada vez mais em risco, já que muitas negociações fundiárias simplesmente ignoram direitos locais de posse. A agricultura familiar de pequena escala, da qual ainda depende a maioria da população pobre do mundo, está ameaçada por plantações em grande escala, agricultura de exportação e produção de commodities em vez de alimentos.
Cerca de 1 em cada 10 dos defensores mortos em 2021 eram mulheres, dos quais quase dois terços eram indígenas.
A violência de gênero enraizada na misoginia e no machismo é usada desproporcionalmente contra mulheres defensoras do meio ambiente e dos direitos humanos para controlá-las, silenciá-las e suprimir seu poder e autoridade como líderes.
O presidente da Associação de Agricultores de Compostela, Noli Villanueva, precisou se esconder após o assassinato de colegas por homens armados não identificados, após protestos contra a chegada da mineradora AgPet à cidade de Compostela. Global Witness
Acordo de Escazú
Em 22 de abril de 2021, entrou em vigor o 'Acordo Regional sobre Acesso à Informação, Participação Pública e Acesso à Justiça em Assuntos Ambientais na América Latina e no Caribe' – também conhecido como Acordo de Escazú. É o primeiro tratado regional de direitos humanos e ambientais na América Latina e no Caribe e o primeiro instrumento juridicamente vinculante do mundo a incluir disposições sobre defensores do meio ambiente.
O Acordo de Escazú garante o direito de acesso à informação ambiental e de participação na tomada de decisões ambientais. Acima de tudo, exige também que os Estados previnam e investiguem ataques contra defensores do meio ambiente. No momento da redação deste texto, alguns dos países mais perigosos para os defensores, como Brasil e Colômbia, ainda não haviam ratificado o Acordo, enquanto outros como o México – que o ratificaram – ainda precisam implementá-lo de forma efetiva.
México
Pelo terceiro ano consecutivo, a Global Witness documentou um aumento nos ataques letais no México – 54 defensores foram mortos em 2021, quase metade deles, indígenas. Conflitos fundiários e ligados à mineração estão relacionados a dois terços dos ataques letais. Cerca de dois terços dos assassinatos se concentraram nos estados de Oaxaca e Sonora, ambos com investimentos significativos em mineração.
Nos últimos dez anos, o país se tornou um dos lugares mais perigosos para os defensores da terra e do meio ambiente, com 154 casos documentados nesse período. A maioria dos assassinatos (131) ocorreu apenas entre 2017 e 2021.
Vista da mina de cobre Buena Vista, na comunidade de Cananea, estado de Sonora, México. As operações começaram na década de 1970 e, durante décadas, estiveram associadas a graves abusos de direitos humanos e poluição. Hector Guerrero/AFP via Getty Images
Desaparições forçadas são comuns – a Global Witness registrou 19 em 2021. Elas são associadas a funcionários públicos corruptos e grupos criminosos organizados e causam um efeito devastador nas famílias e comunidades. Em setembro de 2021, foram descobertos seis conjuntos de restos humanos perto do território Yaqui, no sul de Sonora, México, suspeitos de pertencer a alguns dos dez homens desaparecidos em julho. Após várias desaparições e assassinatos na comunidade Yaqui no ano passado, as autoridades afirmaram acreditar que os cartéis de drogas eram os responsáveis. Alguns na comunidade, no entanto, disseram que também suspeitam que o governo e as empresas interessadas nas terras e recursos Yaqui estejam envolvidos.
Os territórios indígenas são altamente vulneráveis aos inúmeros projetos extrativistas de grande escala promovidos por empresas nacionais e estrangeiras e apoiados pelo governo mexicano. A Comissão Interamericana de Direitos Humanos expressou preocupação com a falta de consulta adequada às comunidades potencialmente afetadas e os ataques subsequentes contra quem se opõe aos projetos. A Comissão alertou sobre campanhas de criminalização e difamação usadas como ameaças aos defensores da terra e do meio ambiente no México.
A impunidade continua generalizada, com mais de 94% dos crimes não denunciados e apenas 0,9% resolvidos. A ambientalista mexicana Irma Galindo Barrios desapareceu em outubro de 2021. Desde 2018, Irma enfrentava intimidações de funcionários públicos, além de assédio, perseguição, campanhas de difamação e ameaças de morte como resultado de sua defesa das florestas. Essa defesa incluiu a apresentação de uma reclamação formal ao Ministério do Meio Ambiente e Recursos Naturais.
Faixa mostrando as fotos de oito membros da comunidade indígena Yaqui, desaparecidos em julho de 2021, em Sonora, México. Kendal Blust/KJZZ
Embora o Acordo de Escazú tenha sido ratificado pelo México em janeiro de 2021 e entrado em vigor em abril, há pouca capacidade ou orçamento estatal para apoiar os defensores, o que limita a probabilidade de indivíduos e comunidades garantirem acesso à justiça e à reparação. O Centro Mexicano de Direitos Ambientais (CEMDA) manifestou preocupação com a diversidade de fatores envolvidos nesse contexto de impunidade, incluindo a falta de cumprimento das normas de direitos humanos na investigação de crimes contra defensores.
Colômbia
O ano de 2021 foi dramático na Colômbia, que continua a ter um dos maiores números de assassinatos do mundo. Pelo menos 33 defensores da terra e do meio ambiente foram mortos na Colômbia no ano passado e 2021 também marcou o quinto aniversário do acordo de paz que pôs fim a mais de 50 anos de conflito com as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia. Disputas fundiárias são uma força motriz por trás dos assassinatos de defensores da terra e do meio ambiente, e o acordo reconhece a necessidade de abordar questões como deslocamento forçado, posse desigual da terra e substituição de cultivos ilegais por cultivos legais. No entanto, até o momento, a implementação do acordo de paz deixou a desejar: a paz ainda é uma perspectiva distante para muitos colombianos, e as consequências da violência são sentidas principalmente pelos grupos mais vulneráveis, incluindo pequenos agricultores e povos indígenas.
Sandra Liliana Peña era a respeitada líder de uma comunidade indígena Nasa no Departamento de Cauca, uma das áreas mais violentas da Colômbia. Ela se opôs abertamente à expansão de plantações ilegais e, como resultado, foi alvo de múltiplas ameaças. Em abril de 2021, enquanto se preparava para viajar à cidade de Popayán para se encontrar com funcionários do governo local, quatro homens armados a forçaram a sair de casa e a mataram a tiros.
Ángel Miro Cartagena era um pequeno agricultor com um grande sonho: queria ajudar a transformar o uso da terra no departamento de Antioquia. Ele estava contribuindo ativamente para um programa de desenvolvimento destinado a produzir café de alta qualidade. Milícias locais estão tentando tomar o controle das terras nesta área a qualquer custo. Ele desapareceu em junho de 2021 e foi encontrado morto em um rio. Seu corpo apresentava sinais de tortura.
Yuli Velazquez, representante legal da organização ambientalista FEDEPESAN, analisa fotos de defensores locais assassinados em Barrancabermeja, Colômbia, 21 de julho de 2022. Negrita Films/Global Witness
Brasil
O Brasil viu um aumento nos ataques letais em relação ao ano anterior, o que é representativo das ameaças mais amplas que os defensores da terra e do meio ambiente enfrentam, particularmente sob o governo Bolsonaro.
A retórica inflamatória, a rejeição da sustentabilidade e a total impunidade provocaram outra epidemia: de intimidação, ataques e assassinato de defensores dos direitos humanos.
Baskut Tuncak, Relator Especial da ONU sobre Resíduos Tóxicos, Brazil
Em janeiro de 2021, Fernando Araújo, trabalhador rural sem-terra e membro do Movimento Sem Terra foi morto na sua casa na fazenda Santa Lúcia, em Pau d'Arco, no estado do Pará. O Pará é uma das regiões mais perigosas para os defensores dos direitos humanos no Brasil. Fernando foi testemunha e sobrevivente do maior massacre de trabalhadores rurais no Brasil desde 1996, o massacre de Pau d'Arco, em 2017, que resultou na morte de dez trabalhadores rurais pela polícia na fazenda Santa Lúcia. Ele foi uma testemunha-chave no processo criminal que se seguiu. Até agora, ninguém foi acusado ou preso pelo assassinato de Fernando.
Fernando dos Santos Araújo caminha pelo local onde a polícia executou seu namorado e seus amigos no massacre de Pau d'Arco, em 2017, e onde ele mesmo seria morto em janeiro de 2021. Spenser Heaps
No mês seguinte, Isaac Tembé, um líder do povo Tenetehara, foi morto enquanto caçava com amigos. O jovem líder indígena foi baleado no peito à queima-roupa, em sua própria terra, por um membro da Polícia Militar brasileira. Segundo o povo Tembé-Teneteraha, a Polícia Militar atua como uma milícia privada que defende os interesses de latifundiários e pecuaristas que ocupam ilegalmente áreas da Terra Indígena Tembé. Este caso ilustra a íntima relação entre o agronegócio brasileiro e o terror patrocinado pelo Estado em terras indígenas, que piorou significativamente sob o regime de Bolsonaro.
Manifestantes indianos protestam contra o assassinato de manifestantes no massacre de Thoothukudi, em Chennai, em 24 de maio de 2018. Arun Sankar/AFP via Getty Images
Por volta das 10h do dia 22 de maio de 2018, M.Karthi, um fervoroso defensor da justiça social, disse à mãe que estava indo participar de um protesto nas ruas da cidade vizinha de Thoothukudi, no estado de Tamil Nadu, sul da Índia. Pegou sua moto e partiu, seguido por seu irmão, os amigos Marimuthu e Murugesan, o filho de um conhecido, John, e cerca de outras 15 pessoas. E nunca mais voltou para casa.
M.Karthi foi morto junto com outros 10 em violência instigada pela polícia estadual em Thoothukudi, que também resultou mais de 100 outras pessoas feridas. A população havia se reunido em frente ao escritório do governo local para marcar o centésimo dia de manifestações pacíficas contra uma fábrica de fundição de cobre, a Sterlite Copper, de propriedade da Vedanta Limited. Os moradores queriam que a fábrica fosse fechada devido à poluição do ar e da água. A fábrica, que já era a segunda maior da Índia, estava se preparando para uma expansão que dobraria seu tamanho.
Relatos de testemunhas oculares, imagens e vídeos capturados por câmeras e relatos da mídia levantam várias questões perturbadoras sobre o modus operandi do governo local e da polícia. Foi dito que eles atacaram os manifestantes e efetuaram disparos de munição real contra a multidão. Apesar das regras da polícia indiana sobre o uso da força para reprimir protestos, relatos de testemunhas falam de atiradores da polícia disparando diretamente contra os manifestantes. O governo alegou que os disparos foram uma resposta à violência dos manifestantes. Nos dias que se seguiram, mais quatro pessoas perderam a vida.
Policiais indianos correm em direção a manifestantes na cidade de Tuticorin, no sul da Índia, em 22 de maio de 2018, durante protesto que exigia o fechamento de uma fábrica de cobre de propriedade da gigante mineradora Vedanta. AFP via Getty Images
Após o protesto, o governo impôs o desligamento da internet até 25 de maio, limitando o fluxo de informações em Thoothukudi. Também impôs a Seção 144 na área – uma lei do período colonial que limita a reunião pública de quatro ou mais pessoas – até 27 de maio.
Após quatro anos e vários inquéritos sobre os assassinatos, nem o Estado nem a empresa foram considerados culpados. Para piorar, as organizações da sociedade civil e os defensores da justiça têm enfrentado desde então uma miríade de abusos de direitos humanos, incluindo criminalização, vigilância, restrição de seu direito de reunião, ameaças e violência.
Esta não é a primeira vez que a Vedanta se envolve em polêmicas na Índia. Já houve inúmeras questões relacionadas às suas operações em todo o país, inclusive no estado oriental de Odisha. Moradores se uniram para impedir que a Vedanta abrisse uma mina de bauxita que teria promovido o desmatamento e devastado uma montanha que eles consideram sagrada. O caso ficou na justiça por mais de uma década até que a Suprema Corte finalmente decidiu contra a Vedanta em 2016, forçando a empresa a abandonar o projeto.
Ativista ambiental Fatima Babu em sua casa em Thoothukudi, Índia. Por décadas, Babu liderou uma campanha contra a poluição provocada pela fábrica de fundição de cobre Sterlite, uma subsidiária da Vedanta.
Alina Tiphagne/Global Witness
Uma fotografia do jovem Snowlin marchando no dia do protesto permanece exposta em sua casa, em Thoothukudi, Índia. Snowlin foi morto aos 17 anos durante um protesto contra a fábrica de fundição de cobre Sterlite.
Alina Tiphagne/Global Witness
Murugeswari e seu marido Muthupandi em Thoothukudi, Índia. Seu filho M. Karthi, universitário de 22 anos que estudava para ser advogado, foi assassinado a tiros pela polícia em 22 de maio de 2018, num protesto contra a planta de mineração Sterlite Copper.
Alina Tiphagne/Global Witness
O massacre de Thoothukudi é emblemático das questões mais prementes de segurança e das represálias enfrentadas pelos defensores dos direitos humanos na Índia. Em 2021, a Índia registrou o maior número de ataques contra defensores dos direitos humanos – cerca de 20% do total de ataques na região da Ásia-Pacífico. Muitos defensores, incluindo mulheres indígenas em busca de justiça, são presos e tachados de terroristas devido ao seu trabalho em prol dos direitos humanos. As leis indianas são usadas rotineiramente para atingir os defensores dos direitos humanos: por exemplo, a Foreign Contributions (Regulation) Act de 2010 foi usada para bloquear recursos, congelar contas bancárias e submeter ONGs a investigações, criando um efeito assustador na sociedade civil. Precisamos de ação urgente de governos estrangeiros e outros membros da comunidade internacional para responsabilizar o governo indiano por seu tratamento aos defensores dos direitos humanos.
Recomendações
- O governo de Tamil Nadu deve publicar imediatamente o relatório da Comissão de Inquérito Aruna Jagadeesan sobre o massacre de Thoothukudi, juntamente com seu relatório de medidas adotadas (ATR), e discutir as recomendações propostas pelo relatório na assembleia legislativa de Tamil Nadu. Isso deve incluir a suspensão de todos os funcionários envolvidos, incluindo autoridades distritais e policiais, e o início de processos criminais.
- O Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH) deve iniciar Procedimentos Especiais para avaliar o cumprimento pela Comissão Nacional de Direitos Humanos da Índia (NHRC) dos padrões internacionais estabelecidos pelos Princípios de Paris, dada a falta de transparência e o fato de que a denúncia sobre o massacre de Thoothukudi foi encerrada apenas cinco meses após o assassinato brutal pela polícia de 16 manifestantes e violência excessiva contra mais de 200 outros, bem como a recusa da NHRC em retomar o assunto, apesar da decisão do Supremo Tribunal de Madras determinando que isso fosse feito.
- O governo da Índia – assim como outros governos, relatores especiais da ONU, ONGs internacionais, ONGs regionais e defensores de direitos humanos da comunidade global – devem apoiar o povo de Thoothukudi e garantir que seja feita justiça para as vítimas do massacre de Thoothukudi.
Alerta para os Defensores de Direitos Humanos – Índia
A Global Witness começou a relatar os assassinatos de defensores da terra e do meio ambiente em 2012. Desde então, 1.733 defensores foram mortos tentando proteger suas terras e recursos: isso equivale a uma média de um defensor morto a cada dois dias ao longo de dez anos.
Como afirmamos em todos os nossos relatórios no decorrer desse tempo, nossos dados sobre assassinatos representam apenas a ponta do iceberg. Isso porque conflitos, restrições à liberdade de imprensa e à sociedade civil e a falta de monitoramento independente dos ataques aos defensores podem levar à subnotificação.
Sabemos que, além dos assassinatos, muitos defensores e comunidades também são coagidos com táticas como ameaças de morte, perseguição, violência sexual ou criminalização – e que esses tipos de ataques são ainda menos notificados.
Esses desafios, juntamente com os rigorosos critérios de verificação da Global Witness para o registro de assassinatos, significam que nossos números são quase certamente subestimados. Para mais informações sobre nossos critérios e metodologia de verificação, consulte a seção 'Metodologia'.
República Democrática do Congo 70
Mais da metade dos ataques em uma década: Brasil, Colômbia, Filipinas
Desde que a Global Witness começou a produzir seus relatórios, o Brasil tem sido o país mais letal para os defensores da terra e do meio ambiente. No geral, é o país com o maior número documentado de assassinatos desde 2012, com 342 no total. Cerca de um terço dos mortos eram indígenas ou afrodescendentes, e mais de 85% dos assassinatos aconteceram na Amazônia.
É importante destacar também que o alto número de casos notificados no Brasil se deve em parte a uma maior conscientização e monitoramento do assunto por parte da sociedade civil em comparação com outras partes do mundo. Conflitos por direitos à terra e à floresta são o principal motivo de assassinatos de defensores no Brasil, e a floresta amazônica é a principal fronteira da luta pelos direitos indígenas e ambientais. Os povos indígenas têm um papel importante como guardiões da floresta amazônica, evitando as emissões provenientes do desmatamento e da degradação florestal e ajudando a conter a crise climática.
Mineração Morro do Ipê, Minas Gerais, Brasil. No mês de janeiro, chuvas fortes provocaram inundações que destruíram comunidades inteiras e levaram à interrupção das atividades de mineração de ferro no estado. Jonne Roriz/Bloomberg via Getty Images
A Amazônia tornou-se um cenário de crescente violência e impunidade. Com os poderosos interesses do agronegócio exportador no centro da economia brasileira, a Amazônia é o cenário de uma batalha por terras e recursos que se intensificou após a eleição do presidente de extrema-direita Jair Bolsonaro em 2018. Desde que Bolsonaro chegou ao poder, ele encorajou a extração ilegal de madeira e o garimpo, enfraqueceu a proteção dos direitos indígenas, atacou grupos de conservação e desmantelou e reduziu os orçamentos e recursos dos órgãos de proteção ambiental e indígena. Isso permitiu que quadrilhas e organizações criminosas invadissem impunemente áreas indígenas e de conservação.
O fracasso do Estado em proteger os defensores da terra e do meio ambiente e ao mesmo tempo dar carta branca para a extração ilegal de recursos sugere que o governo brasileiro foi capturado por interesses criminosos.
O assassinato do jornalista britânico Dom Phillips e do indigenista Bruno Pereira no Vale do Javari, território sem lei na Amazônia brasileira, são indicativos do ataque aos povos indígenas e àqueles que tentam protegê-los. Pereira havia trabalhado anteriormente na Funai. Ele foi removido de seu cargo como representante da fundação junto a tribos isoladas logo após a chegada de Bolsonaro ao poder, em algo que foi visto como uma ação com motivações políticas. Seu afastamento, no final de 2019, ocorreu logo depois que sua equipe ajudou a desativar um dos maiores garimpos da região amazônica.
Manifestante indígena conversa com participantes durante protesto para pedir justiça ao governo pelo assassinato de Dom Phillips e Bruno Pereira, em 23 de junho de 2022, Brasília. Andressa Anholete/Getty Images
Seguindo de perto o Brasil, dez anos de coleta de dados sobre os assassinatos de defensores da terra e do meio ambiente colocam a Colômbia como o país com o segundo maior número de assassinatos. O governo colombiano prometeu garantir a diminuição da violência. Mas a realidade está provando o contrário.
A rede da sociedade civil colombiana Programa Somos Defensores, que documenta e denuncia ataques contra defensores, condenou diversas vezes a inação estatal, inclusive do judiciário, para acabar com a impunidade e o clima de medo. Essa preocupação com as violações dos direitos humanos também foi ecoada pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos e pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos.
Ramón mostra as terras de sua família na Colômbia, atualmente ocupadas por plantações de palma de óleo. O pai de Ramón, Hernan, liderou a resistência local ao óleo de palma. Ele foi morto com 15 tiros.
Thom Pierce/Guardian/Global Witness/UN Environment
Ramón Bedoya com guarda-costas na fazenda de sua família – Pedeguita y Mancilla, Coco, Colômbia.
Thom Pierce/Guardian/Global Witness/UN Environment
Uma fotografia do memorial a Hernán Bedoya no local onde ele foi assassinado em dezembro de 2017.
Thom Pierce/Guardian/Global Witness/UN Environment
Ramón Bedoya à beira da estrada, no memorial de seu pai. Este é o local exato onde Hernan foi assassinado por um atirador em uma motocicleta, em dezembro de 2017.
Thom Pierce/Guardian/Global Witness/UN Environment
As Filipinas aparecem com frequência como o pior lugar da Ásia para defensores da terra e do meio ambiente, com 270 defensores mortos entre 2012 e 2021. Mais de 40% (114) dos defensores assassinados eram indígenas lutando para proteger suas terras e o meio ambiente – com quase 80% dos ataques contra defensores indígenas ocorrendo na ilha de Mindanau.
A Global Witness conseguiu vincular mais de 80% dos assassinatos na última década nas Filipinas a protestos de defensores contra operações empresariais. Nossa análise indica que um terço dos assassinatos está ligado ao setor de mineração, seguido de perto pelo agronegócio. As Filipinas estão entre os cinco principais países do mundo em recursos minerais. Sabe-se que quase 30% das terras do país contêm grandes jazidas minerais, das quais mais de 8% estão sob concessões de mineração (em julho de 2021).
Em abril de 2021, o presidente Duterte revogou uma moratória nacional de nove anos para novos projetos de mineração, que estava em vigor desde 2012. Grupos ambientalistas e de direitos humanos criticaram a medida, alertando que a nova ordem poderia pôr em risco ainda maior os defensores, bem como impactar negativamente áreas importantes para a biodiversidade, o abastecimento local de água e alimentos e comunidades indígenas. O recém-empossado presidente Ferdinand 'Bongbong' Romualdez Marcos Jr. também despertou preocupações em seu discurso à nação em julho deste ano, no qual destacou os incentivos do governo a diversos investimentos, inclusive no setor de energia. Ele nem sequer mencionou os dados alarmantes do país em direitos humanos.
Membros da rede ambiental filipina Kalikasan protestam em julho de 2022, exigindo que o recém-eleito presidente Marcos Jnr tome medidas para garantir a justiça climática e a proteção dos defensores. Dennese Victoria/Global Witness
O avanço de projetos de desenvolvimento sem qualquer consideração pelos direitos humanos provoca sérias preocupações sobre o futuro dos defensores da terra e do meio ambiente em um país com um dos maiores níveis de assassinatos de defensores do mundo.
Há muito pouca transparência no setor de mineração nas Filipinas, e contratos e dados referentes à mineração raramente são divulgados. As regras que exigem que as mineradoras obtenham o consentimento das comunidades que habitam as áreas em que desejam atuar não são cumpridas de forma consistente.
A impunidade é generalizada: suspeita-se que forças do Estado estejam por trás da maioria dos assassinatos nos poucos casos em que a identidade dos criminosos é descoberta. Instituições estatais fundamentais, incluindo o judiciário e a polícia, são fracas, e os militares e a polícia cometem violações de direitos humanos com pouca responsabilização.
Interactive | September 29, 2022
In numbers: Lethal attacks against defenders since 2012
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Freda Huson, líder (Dzeke ze') do povo Wet'suwet'en, canta em cerimônia, enquanto a polícia canadense se aproxima para prendê-la em cumprimento de uma liminar judicial pelo bloqueio das obras de um gasoduto em 2020. Amber Bracken/The Narwhal
“Você tem que entender nossa frustração. Estamos aqui desde tempos imemoriais, desde muito antes que eles pisassem nessas terras pela primeira vez. E a sua lei permite burlar as regras para que alguém venha destruir nossa terra com a ajuda de vocês. Se fosse sua casa, vocês sentiriam a mesma coisa. Como seria se vândalos destruíssem suas coisas e ninguém fizesse nada?”
Freda Huson, Dzeke ze' (Chefe) Unist'ot'en Clan, Wet'suwet'en Nation em conversa com policiais locais
Os rincões da Colúmbia Britânica, no Canadá, estão no centro de um conflito entre lucros corporativos e direitos indígenas, em um projeto de gás natural multibilionário – apontado como o maior investimento do setor privado na história canadense. O gasoduto Coastal GasLink (CGL) de US$ 6 bilhões e 670 quilômetros recebeu aprovação das autoridades provinciais, mas os caciques Wet'suwet'en que vivem na área afirmam que nenhum gasoduto pode ser construído em seu território tradicional sem o consentimento de seu povo.
Os Wet'suwet'en nunca cederam ou entregaram seu território ao Canadá. Eles vivem aqui desde tempos imemoriais e se governam sob a lei Wet'suwet'en. De fato, os Wet'suwet'en possuem direitos e títulos sobre terras ancestrais reconhecidos pelos tribunais canadenses, e a CGL precisaria de seu consentimento para poder continuar construindo seu gasoduto ali.
No entanto, apesar de os caciques Wet'suwet'en afirmarem que não querem o projeto do gasoduto CGL, a empresa se estabeleceu nas suas terras. Após uma liminar da Suprema Corte obtida pela CGL em 2019, oficiais armados da Real Polícia Montada do Canadá (RCMP) expulsaram à força os chefes e matriarcas locais, defensores da terra Wet'suwet'en e seus apoiadores. Dezenas foram presos e detidos, incluindo vários representantes da imprensa. Relatos citam falta de alimentos, acesso restrito a representação legal e tratamento inadequado por parte da RCMP.
Policial canadense monta guarda junto à ponte do Rio Morice, único ponto de entrada para o centro de cura de Unist'ot'en e única estrada de acesso às obras da Coastal GasLink. Amber Bracken / The Narwhal
A CGL pediu ao tribunal que imponha condições para a libertação dos detidos, incluindo a exigência de que os defensores da terra comprovem sua identidade indígena. De acordo com relatos de observadores presentes ao tribunal, as condições de libertação incluem a proibição do retorno ao próprio território e à 'zona de exclusão' – uma zona ao redor da área de remoção forçada onde a presença da mídia é proibida, impedindo assim o acesso público a informação. Recentemente, um juiz da Suprema Corte da Colúmbia Britânica considerou ilegal a prática da RCMP de empregar vastas 'zonas de exclusão'.
A localização geográfica do povo Wet'suwet'en é isolada e remota, o que dificulta o monitoramento dos observadores de direitos humanos e da mídia. Essa situação representa uma grave ameaça ao povo, os territórios e a cultura Wet'suwet'en, e é agravada pela detenção de observadores e representantes da mídia.
O governo provincial da Colúmbia Britânica aprovou os Direitos dos Povos Indígenas das Nações Unidas (UNDRIP) em novembro de 2019. A aprovação deveria garantir os direitos dos povos indígenas ao consentimento livre, prévio e informado em relação a projetos que afetam suas terras e meios de subsistência. Também determina que os povos indígenas não serão removidos à força de suas terras.
Coastal GasLink se preparando para obras de perfuração sob o rio Wedzin Kwa. Cedar George-Parker, da Primeira Nação de Tsleil-Waututh, cantou para tentar preparar os participantes para o choque com a escala do projeto. Matt Simmons/The Narwhal
Ao promover um projeto maciço de exploração de combustível fóssil, o Canadá fracassa completamente em sua resposta à grave emergência climática que o país está enfrentando. Para agravar essa situação, o Canadá promoveu essas graves violações de direitos humanos tendo como pano de fundo o genocídio de povos indígenas no país, sobretudo de mulheres e meninas. Muitas políticas do governo canadense estão tendo efeitos devastadores nas comunidades indígenas, levando o primeiro-ministro Justin Trudeau a aceitar publicamente que o Canadá cometeu genocídio. A resolução desse problema exige a imediata restituição dos poderes dos povos indígenas, incluindo da nação Wet'suwet'en.
Recomendações
O governo canadense deve:
- Interromper imediatamente a construção e suspender todas as licenças e aprovações para a construção do gasoduto Coastal GasLink nas terras e territórios tradicionais e não cedidos do povo Wet'suwet'en até que os indígenas deem o seu consentimento livre, prévio e informado, em cumprimento do dever de consulta às populações afetadas.
- Cessar imediatamente o despejo forçado do povo Wet'suwet'en; garantir que nenhuma força será usada contra os povos Wet'suwet'en; retirar as forças de segurança e policiais do território Wet'suwet'en; e proibir o uso de armas letais pela Real Polícia Montada do Canadá contra os povos indígenas.
- Cumprir suas obrigações de reconhecer e proteger os direitos dos povos indígenas de possuir, desenvolver, controlar e usar suas terras, territórios e recursos comunais e, sempre que tiverem sido privados das terras e territórios que tradicionalmente possuíam ou habitavam ou que essas terras tiverem sido utilizadas sem o seu consentimento livre e informado, devem ser tomadas medidas para a devolução dessas terras e territórios. Somente quando isso não for possível por razões de fato, o direito à restituição deve ser substituído pelo direito à indenização justa e imediata. Essa compensação deve, na medida do possível, incluir terras e territórios.
O chefe hereditário dos Wet'suwet'en, Gisdaywa, e o chefe Namoks, escutam as alegações do Royal Bank of Canada – financiador do gasoduto Coastal Gas – em reunião anual online, no quarto de hotel, em 7 de abril de 2022. Reuters/Alamy Stock Photo
Os motivos por trás de ameaças e ataques a defensores da terra e do meio ambiente são complexos e diversos, mas há pontos em comum entre os países onde os ataques são mais frequentes.
Desigualdade fundiária
Terras e territórios, e conflitos envolvendo seu controle e uso, são questões centrais na maioria dos países onde as ameaças contra os defensores da terra e do meio ambiente estão presentes. Grande parte da crescente violência, assassinatos e repressão contra os defensores está ligada a esses conflitos e à busca do crescimento econômico baseado na extração de recursos naturais. O problema é agravado pela extrema desigualdade na propriedade da terra, que também é um dos principais impulsionadores da desigualdade social e econômica, principalmente na América Latina.
A desigualdade fundiária é um elemento central de muitas crises globais, incluindo crises de poder e democracia e crises climáticas e de biodiversidade. A desigualdade fundiária não é inevitável, mas sim o resultado de decisões políticas, forças de mercado ou uma combinação de ambas. Muitas vezes, é o legado da conquista e colonização, como demonstrado na América Latina. As forças do mercado também promovem a desigualdade fundiária ao estimular a acumulação de riqueza por uma elite já muito rica. Pequenos produtores e agricultores familiares, indígenas, mulheres rurais e comunidades rurais sem-terra estão sendo espremidos em pedaços de terra cada vez menores ou expulsos completamente à medida que a desigualdade fundiária aumenta em todo o mundo.
No Brasil, onde 342 defensores foram mortos na última década, o índice de Gini (o indicador de desigualdade mais utilizado) de concentração fundiária é de 0,73, o que coloca o Brasil entre os países com maior desigualdade fundiária do mundo. Pesquisas mostram que a desigualdade é maior nos estados com maior produção de commodities agrícolas, como Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Bahia e na região do Matopiba (que compreende as áreas de cerrado dos estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia). Ataques contra defensores também são frequentes nesses estados, de acordo com dados da Global Witness. Por exemplo, no Mato Grosso, nove trabalhadores rurais foram torturados e mortos em 2017 por assassinos contratados em uma área de desmatamento ilegal. O mesmo estudo também aponta que 10% das maiores propriedades ocupam 73% da área agrícola do Brasil. Em todos os estados brasileiros, os 10% das maiores propriedades possuem mais de 50% da área. Em seis estados e no Matopiba, os 10% das maiores propriedades possuem mais de 70% da área.
44 dos 342 defensores mortos no Brasil na última década protestavam contra o agronegócio.
A Colômbia tem a maior concentração de propriedades da América Latina, com o 1% das maiores propriedades ocupando 81% das terras e deixando apenas 19% das terras para os 99% das propriedades restantes.
Morador local é visto em um Espaço Territorial de Treinamento e Reincorporação em Dabeiba, em 23 de novembro de 2021, um dia antes do 5º aniversário do acordo de paz entre o governo colombiano e as FARC. Joaquin Sarmiento/AFP via Getty Images
Conflito violento
A Colômbia também tem o conflito armado mais longo do continente. É impulsionado por atividades ilícitas e criminosas, incluindo tráfico de drogas, garimpo, sequestro e extorsão. Isso resultou no deslocamento de quase sete milhões de pessoas e desapropriações em larga escala de suas terras. A desigualdade social e econômica está na raiz do conflito, sobretudo a concentração fundiária extrema, tanto em termos de posse quanto de uso da terra.
Conflitos fundiários violentos estão bem documentados e são intimamente ligados à desigualdade fundiária. O aumento da concentração fundiária alimenta os conflitos violentos, que, por sua vez, impulsionam a desigualdade, perpetuando o ciclo de violência.
A Colômbia é um dos países com o maior número de assassinatos registrados em dez anos de dados da Global Witness. Os conflitos associados à terra e aos recursos naturais não são apenas numerosos e frequentes, mas também são usualmente prolongados e têm duas vezes mais chances de se repetir nos primeiros cinco anos do que outros tipos de conflito. Esses conflitos são agravados por problemas como mudanças climáticas, crises democráticas e migração em massa, que provocam ainda mais instabilidade política, econômica, social e ambiental.
Vista aérea de um campo de coca em uma área desmatada no departamento de Guaviare, Colômbia. A Amazônia colombiana enfrenta degradação ambiental devido a cultivos ilícitos, agricultura intensiva e garimpo. Raul Arboleda/AFP via Getty Images
Corrupção
Com a crescente demanda mundial por alimentos, combustíveis e commodities, a última década viu um aumento na apropriação de terras para atividades como mineração, extração de madeira, agronegócio e projetos de infraestrutura, com comunidades locais raramente consultadas ou compensadas. Os atores envolvidos na apropriação dessas terras costumam ser grandes corporações, fundos de investimento estrangeiros, autoridades nacionais e locais e os governos de nações ricas, mas pobres em recursos, que procuram adquirir terras a baixo custo, prejudicando as populações locais nesse processo.
Defensores da terra e do meio ambiente que tentam obter reparação são fortemente afetados pela corrupção: desde juízes corruptos até policiais e autoridades locais subornados para ameaçar, intimidar ou até mesmo prender membros da comunidade que protestam ou prestam queixas.
Redução do espaço cívico
As ameaças às democracias globais estão aumentando e países em todas as regiões do mundo foram capturados por governantes autoritários nos últimos anos. Em 2021, o atual presidente da Nicarágua ganhou um novo mandato em uma eleição fortemente orquestrada, depois que suas forças de segurança prenderam candidatos da oposição e cancelaram o registro de organizações da sociedade civil. Líderes eleitos do Brasil à Índia tomaram ou ameaçaram tomar medidas antidemocráticas, o que levou ao enfraquecimento dos valores democráticos no cenário internacional, incluindo a repressão do espaço cívico. Sempre que Estados e corporações sufocam as vozes críticas e reprimem a dissidência política – seja nas ruas, nas redes sociais ou na justiça – o espaço cívico necessário para uma sociedade democrática baseada nos direitos humanos é afetado.
A segurança e a proteção dos defensores dos direitos humanos e o aumento das ameaças às liberdades cívicas se tornaram uma preocupação crescente em todo o mundo. É também uma das questões mais urgentes para a pauta de direitos humanos, pois os defensores se encontram em grande risco pessoal, incluindo o risco de morte e lesões corporais graves. A sociedade civil também dispõe de menos meios para expressar preocupações em relação a questões de direitos humanos, com medo de processos criminais.
A maioria dos assassinatos na última década ocorreu em países com espaço cívico restrito.
A maioria dos assassinatos ocorreu em países com espaço cívico reprimido
Cultura de impunidade corporativa
No mundo todo, empresas e corporações atuam com a certeza da impunidade, em parte facilitada pela corrupção. A adesão a diretrizes para evitar danos permanece amplamente voluntária, o que significa que as violações dos direitos ambientais e humanos continuam a ser generalizadas e o preço da reação pode ser fatal.
Poucos responsáveis pelo assassinato de defensores são levados à justiça devido à incapacidade dos governos de investigar ou processar adequadamente alguém por esses crimes. Muitas autoridades fecham os olhos ou impedem ativamente a investigação desses assassinatos, possivelmente devido ao conluio entre interesses empresariais e estatais – uma das causas profundas da violência contra os defensores. Essa impunidade funciona como carta branca para potenciais agressores, que sabem que é pouco provável que tenham que enfrentar consequências por ataques cometidos contra ativistas.
Muitas vezes, informações cruciais estão em poder das empresas, o que dificulta ainda mais a localização dos responsáveis. As cadeias produtivas globais das empresas são desnecessariamente complexas e pouco transparentes, tornando difícil para as comunidades saber quem é responsável pelos danos.
Ao analisar os dados sobre ataques em sua totalidade, fica claro que muitas empresas adotam um modelo econômico extrativo que prioriza o lucro sobre os danos humanos e ambientais. Esse poder corporativo irresponsável, apoiado por políticas governamentais, é uma força considerável que não apenas agrava a crise climática e as ameaças à biodiversidade, mas que continua causando a morte de defensores. Em resumo, devemos pôr fim à fetichização do crescimento econômico sem fim e à impunidade das empresas se quisermos preservar a vida como um todo.
Moradores locais caminham por área desmatada para dar lugar a uma plantação de seringueiras na província de Ratanakiri, Camboja, março de 2013. Chris Kelly/Global Witness
Uma faixa de 1.396 quilômetros quadrados de montanhas calcárias cobertas de mata a noroeste da cidade de Colima é protegida pela UNESCO como habitat crítico. Com altitudes que variam de 400m a 2.960m e oito ecossistemas florestais – incluindo tropical, tropical de altitude, florestas de carvalhos e biomas alpinos – esta região conta com cerca de 2.900 variedades de plantas, 336 espécies de aves (um terço do total do México), 85 anfíbios e répteis e 110 mamíferos, incluindo onça-parda, onça-pintada e jaguatirica.
Lonely Planet
Assim começa a introdução do popular guia de viagem Lonely Planet sobre a Reserva da Biosfera da UNESCO Sierra de Manantlán, no México, rica em vida selvagem e lar de muitos grupos indígenas. No entanto, há um lado sinistro nessa popular região turística.
Em abril de 2021, José Santos Isaac Chávez foi brutalmente assassinado. Chávez era líder indígena, advogado e candidato ao Comissariado Ejidal de Ayotitlán (órgão local eleito criado para administrar os territórios indígenas e coordenar ações com as comunidades). Ele foi o único candidato que se opôs abertamente à mina Peña Colorada e suas operações. Chávez foi encontrado morto em seu carro, que havia sido jogado de um penhasco. Seu corpo mostrava sinais de tortura.
Esse assassinato está longe de ser o primeiro ligado à mina: repórteres e ativistas locais alegam desaparecimentos e assassinatos relacionados à oposição a Peña Colorada. Ninguém foi julgado por esses crimes. As operações começaram na década de 1970 e acumulam anos de grave violência e abusos de direitos humanos relacionados à mina.
Felipe Roblada na Cidade do México, em 29 de agosto de 2022. Felipe Roblada, presidente do conselho de anciãos da cidade de Ayotitlan, está envolvido no ativismo contra a mina Peña Colorada, em Jalisco, México. Quetzalli Nicte Ha/Global Witness
Uma joint venture entre as corporações siderúrgicas multinacionais ArcelorMittal e Ternium – ambas com sede em Luxemburgo – a mina a céu aberto Peña Colorada tem sido um flagelo para o meio ambiente e os territórios indígenas locais desde o início de suas operações. A mina destruiu o Cerro de Los Juanes e transformou a área ao redor em uma zona morta. As operações de mineração provocaram desmatamento, perda de biodiversidade, mudanças climáticas e poluição tóxica. É impossível quantificar a verdadeira escala dos danos, já que a mineradora mantém um controle rígido sobre a área da Sierra de Manantlán. Investigadores independentes não têm permissão para entrar na área da mina, muito menos para verificar as condições de operação e o cumprimento das normas de proteção ambiental. Contudo, não há evidências de que as empresas que formam a joint venture – ArcelorMittal e Ternium – estejam envolvidas no assassinato de algum defensor da terra.
Além disso, o cartel Jalisco Nueva Generación também tem seus próprios interesses no garimpo ilegal na região. O grupo criminoso impõe suas condições e violência contra a comunidade indígena com total impunidade e sem uma resposta adequada do Estado mexicano.
Mina de ferro Peña Colorada, México. A mina destruiu a montanha Cerro de Los Juanes e a área ao seu redor, causando desmatamento, perda de vida selvagem e poluição tóxica. Walter Bibikow/Getty Images
Os grupos indígenas da área há muito defendem seu território e recursos naturais. Ativistas locais tomaram várias medidas para conter a expansão das operações de mineração, algumas com consequências fatais. Tanto o governo mexicano quanto as empresas proprietárias da mina, ArcelorMittal e Ternium, devem tomar medidas urgentes para evitar mais mortes e violência e garantir que a justiça seja feita pelos assassinatos e desaparições de defensores que se opuseram à mina.
Recomendações
O governo do México deve:
- Cumprir suas obrigações de investigar, fazer justiça e reparar as violações dos direitos humanos contra os defensores da terra e do meio ambiente no México.
- Estabelecer um roteiro para a implementação do Acordo de Escazú que inclua a coordenação entre os poderes estatais, a criação de políticas e financiamento adequado para garantir mecanismos de justiça ambiental, transparência, acesso à informação e um ambiente seguro para o exercício da defesa ambiental no México.
- Reconhecer que a comunidade Nahual da Sierra de Manantlán sofre um ataque sistêmico contra sua população e abordar as causas estruturais da continuidade desses atos de violência.
- Elaborar, implementar e supervisionar mecanismos que garantam o direito dos povos indígenas ao consentimento informado segundo os padrões internacionais e incorporem o princípio de autodeterminação e autonomia dos povos e comunidades indígenas no México.
Tsikini AC
O que aprendemos desde que a Global Witness começou a relatar os assassinatos de defensores da terra e do meio ambiente, dez anos atrás? No nível internacional, houve algum progresso feito por governos e empresas, ainda que superficialmente. As empresas estão agora mais conscientes das ameaças que os defensores enfrentam e, de acordo com o Business and Human Rights Resource Center, pelo menos 30 empresas têm políticas em vigor relacionadas aos defensores de direitos humanos e liberdades civis.
Todavia, é importante observar que esses são compromissos voluntários e não implementados de forma consistente. Alguns governos, principalmente na Europa, exigem ou estão em processo de começar a exigir das empresas compromissos obrigatórios referentes a direitos humanos e devida diligência ambiental. O Acordo de Escazú, que entrou em vigor em 2021, é o primeiro instrumento juridicamente vinculante do mundo a incluir disposições sobre defensores de direitos humanos e ambientais.
Mulheres seguram uma placa durante protesto pela assinatura do acordo de Escazú, em 24 de setembro de 2020, em El Salvador. Até agora, 24 países da América Latina e do Caribe assinaram o tratado ambiental. Camilo Freedman/APHOTOGRAFIA/Getty Images
A morte de cada defensor é um sinal de que nosso sistema econômico fracassou. Alimentada pela busca de lucro e poder, há uma guerra pela natureza. As frentes de batalha são justamente as regiões de maior biodiversidade remanescentes da Terra. A integridade desses sistemas está sob ataque do crime organizado e de governos corruptos que querem explorar madeira, água e minérios para obter lucros – muitas vezes ilegais – a curto prazo.
A maioria desses crimes acontecem em lugares distantes do poder e são cometidos contra aqueles que, de muitas maneiras, têm menos poder. Em muitas regiões, comunidades indígenas, afrodescendentes e outros moradores tradicionais da floresta, apoiados por organizações da sociedade civil, jornalistas, advogados e acadêmicos, estão liderando a reação contra ações irresponsáveis de governos e empresas. Como consequência, essas comunidades são desproporcionalmente afetadas e representam mais de um terço de todos os defensores mortos. Essas mortes representam não apenas vidas perdidas, mas também a perda de culturas, línguas e conhecimentos tradicionais. Esses assassinatos acontecem em lugares onde a lei não funciona ou é controlada por interesses comerciais e políticos, resultando em quase total impunidade. Na verdade, a maioria dos assassinatos nem chega a ser investigada com credibilidade.
Advogado de direitos humanos e secretário da Human Rights Defenders Alert – Índia, Henri Tiphagne, em seu escritório em Madurai, Índia. Tiphagne representou manifestantes anti-Sterlite no tribunal. Alina Tiphagne/Global Witness
Espécies estão sendo perdidas cerca de mil vezes mais rápido que a taxa natural de extinção. Estamos no meio de uma emergência climática. Essas crises climáticas e ambientais estão finalmente recebendo alguma atenção, e sua relação com outra crise – a perda de culturas indígenas – está sendo cada vez mais reconhecida. De animais a insetos e plantas, as mudanças climáticas e a perda de biodiversidade não podem ser efetivamente abordadas sem combater o rápido desaparecimento das culturas indígenas. As duas coisas estão ligadas de forma inseparável.
Como em qualquer guerra, o lado dominante sempre vai querer que o número de vítimas e seus nomes sejam desconhecidos, para que não sejam personalizados. Assim, os poderosos podem criar sua própria narrativa em torno das vítimas. No entanto, por meio de nossos relatórios sobre pessoas e comunidades que tiveram sucesso na luta contra projetos nocivos ou conquistaram direitos sobre suas terras, podemos ver que o poder está na resistência e no protesto coletivo. Portanto, embora este relatório tenha como objetivo alertar e pedir maior proteção para os defensores, também pretendemos inspirar para que se preste ainda mais atenção a essa luta.
É fundamental que o trabalho dos defensores da terra e do meio ambiente prossiga e seja ampliado. É por isso que a Global Witness continuará a produzir relatórios deste tipo – para mostrar o valor dos defensores ao mundo e como eles contribuíram para suas comunidades e famílias.
Há mais de duas décadas, a defensora brasileira Eliete Paraguassu luta pelos direitos de sua comunidade contra a ocupação de seu território por empresas petrolíferas. Safira Moreira/Global Witness
Sou uma mulher negra, marisqueira e quilombola.
Sou uma mulher das águas e tenho orgulho de ser uma marisqueira quilombola. Nasci na comunidade dos Porto dos Cavalos na Ilha da Maré, uma ilha da costa de Salvador, capital do estado da Bahia, no coração da Baía de Todos os Santos. Porto dos Cavalos é um dos seis territórios quilombolas certificados da Ilha da Maré. A Ilha, a segunda maior da Baía de Todos os Santos, é também conhecida como o bairro mais negro de Salvador.
Por mais de duas décadas, estou envolvida na luta pelos direitos das comunidades quilombolas e contra a exploração do nosso território por companhias nacionais e internacionais instaladas na Baía de Todos os Santos.
Além da exploração do nosso território, sofremos diariamente com a contaminação causada por essas companhias e também por aquilo que as companhias chamam de "acidentes" – mas que eu considero crimes ambientes - os quais ocorrem de maneira recorrente, causando danos de toda ordem às comunidades. A poluição intensa das nossas águas, a contaminação do nosso ar e o adoecimento da nossa gente têm ocorrido por muito tempo - nós agora chamamos tanto a nossa terra como os nossos corpos de uma zona de sacrifício.
A virada na minha vida ocorreu quando descobri que a minha filha tinha sido diretamente afetada. Em 2005, um estudo revelou que as crianças que habitavam a Ilha da Maré, incluindo minha filha, tinham alto índices de metais pesados nas suas amostras de cabelo e de sangue. Os alimentos consumidos pelas crianças também apresentavam um alto índice de contaminação. Nós mulheres das águas estamos sofrendo, pois nossos filhos e nossas filhas estão desenvolvendo doenças em função da contaminação, incluindo doenças graves como epilepsia e câncer.
Então, nós continuamos na linha de frente desta batalha. Somos afetadas diariamente por muitos problemas, mas não temos outro recurso senão resistir. Mas essa resistência vem com um preço, um preço muito alto. Por protestar contra os crimes ambientais e os danos à nossa saúde, temos sido sujeitas a ameaças de morte, criminalização e campanhas de difamação. As ameaças contra a minha vida assumiram uma dimensão tão grande recentemente que tive que adotar um esquema de segurança que me obriga a constantemente sair da Ilha da Maré e que não me permite realizar o que eu mais gosto de fazer na vida: mariscar.
A minha resistência continua e não vou deixar que eles me parem. O governo continuamente nos decepciona. A crise atual é reflexo da falta de cumprimento de regulações ambientais, que são por si só precárias, e da total impunidade que nós, residentes da Ilha da Maré, sofremos por décadas.
Continuaremos lutando contra o racismo ambiental imposto contra as comunidades quilombolas e indígenas no Brasil, já que sem luta, não há justiça ambiental, não há vitória. Nós continuaremos lutando e defendendo o nosso território, as nossas vidas, as vidas das nossas crianças e das futuras gerações. Lutamos não somente pela nossa comunidade, mas pela sua também, pela soberania alimentar, pelo acesso à água livre de contaminação e por um ambiente saudável. Precisamos que você se una a nossa luta.
Eliete Paraguassú
Recomendações
O governo do Brasil deve:
- Agir imediatamente para interromper os abusos e processos judiciais contra as comunidades e fornecer soluções plausíveis para os danos já ocorridos.
- De acordo com a OIT 169, estabelecer mecanismos de consulta e participação prévia dos quilombolas em relação a todas as políticas, acordos ou projetos que possam afetar seu modo de vida e territórios tradicionais.
- Enfrentar a crise de saúde pública e a desigualdade social por meio de investimentos adequados em saneamento básico, incluindo o abastecimento de água potável, coleta de esgoto, bem como o manejo e descarte adequado de resíduos.
Óscar Sampayo, ativista antifracking e líder comunitário, Barrancabermeja, Colômbia, 21 de julho de 2022. Sampayo se opõe ativamente à extração de petróleo em Barrancabermeja há anos. Negrita Films/Global Witness
Desde novembro de 2020, as ameaças, intimidações e pressões que sofri de grupos como as Aguilas Negras (ou 'águias negras': organizações de extrema direta, contrarrevolucionárias, paramilitares e envolvidas com o tráfico de drogas) e outros grupos, devido ao meu trabalho em defesa dos direitos humanos e da natureza na região de Magdalena Medio, na Colômbia, é semelhante à vivida por dezenas de líderes que vivem na região. Uma dessas líderes teve que fugir para a França em 2022. Três líderes ambientais e amigos meus foram assassinados: dois foram mortos em fevereiro e um no final de julho.
Faz anos que me oponho ativamente à extração de petróleo na região de Magdalena Medio. Os interesses das grandes petroleiras acabaram prevalecendo sobre a vida das comunidades locais, que sofrem graves impactos ambientais e sociais, além de uma ampla gama de violações de direitos humanos.
A comunidade local aqui em Barrancabermeja testemunhou como nossa terra, que costumava ser tão cheia de vida e natureza, foi castigada diversas vezes. Desde 2013, documentamos como nosso governo continua a privilegiar o dinheiro em detrimento da proteção da região e das pessoas que vivem nela.
Óscar Sampayo fotografa um peixe-boi morto, Barrancabermeja, 21 de julho de 2022. Há muito tempo, os pântanos ao redor desta cidade colombiana são castigados pela poluição, inclusive da indústria petrolífera da região. Negrita Films/Global Witness
Há muitos motivos para preocupação. Estamos preocupados com o meio ambiente ao nosso redor, com a poluição da água, com nossa saúde e principalmente com nossa segurança.
Além de combater a exploração de petróleo, também estamos combatendo a grave poluição causada por um aterro na região. Meu colega Yesid Blanco, pediatra, identificou uma série de doenças por intoxicação por mercúrio diretamente ligadas ao aterro que contamina o abastecimento de água da vila de Patio Bonito, em Barrancabermeja. É difícil encontrar uma criança nascida após 2015 em Patio Bonito que não tenha problemas respiratórios e dermatológicos. Essa geração que foi apelidada de “os filhos do lixo”.
Yesid está agora no exílio depois de compartilhar suas descobertas – ele fugiu da Colômbia em 2018. Outros continuaram monitorando os impactos e documentando a morte de milhares de peixes, animais com deformidades e o nascimento de cães sem cérebro. Todos os dias, o equivalente a 55 piscinas olímpicas de lixiviados (produtos químicos tóxicos) são despejados no aterro. Somos perseguidos, estigmatizados e ameaçados simplesmente porque exigimos que alguém se responsabilize por isso. Tanto as autoridades quanto o setor privado estão por trás dessas ameaças.
As empresas de combustíveis fósseis que atuam aqui e as empresas que administraram o aterro por anos não fazem uma auditoria rigorosa de suas operações. Nossa preocupação aumenta porque acreditamos que essas atividades envolvam interesses ilegais, possivelmente vinculados a grupos armados, incluindo paramilitares, guerrilheiros e narcotraficantes. Não temos como nos defender dessas pessoas, por isso precisamos de ajuda para proteger a região e as pessoas que vivem aqui.
Óscar Sampayo
Vista aérea de uma estação de tratamento de água que lida com os resíduos das refinarias de petróleo locais, em Barrancabermeja, 21 de julho de 2022. Negrita Films/Global Witness
Recomendações
O governo da Colômbia deve:
- Restabelecer todos os espaços de diálogo com a sociedade civil relacionados à situação dos defensores dos direitos humanos.
- Adotar e implementar as resoluções e orientações de organizações nacionais e internacionais para garantir um ambiente seguro e favorável para os defensores. Isso inclui relatórios recentes do Relator Especial da ONU sobre defensores de direitos humanos e da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, e o Protocolo da Esperança, uma iniciativa da sociedade civil desenvolvida para minimizar e combater ameaças contra defensores de direitos humanos. Essas recomendações devem ser o ponto de partida para a construção de uma política integral de proteção aos defensores de direitos humanos.
- Implementar as disposições do Acordo de Paz especificamente relacionadas à prerrogativa de defender os direitos humanos.
Roubo de carbono – falsas 'soluções' para as mudanças climáticas e ameaças aos defensores da terra e do meio ambiente
Para enfrentar a crise climática de forma eficaz, temos que deixar os combustíveis fósseis no solo. No entanto, nos últimos anos, as empresas têm recorrido cada vez mais ao mercado voluntário de carbono (VCM) – um sistema para criar e comercializar créditos de carbono – como substituto para a urgente e necessária redução das emissões. Isso não é apenas ineficaz, mas também representa uma ameaça real e adicional para os defensores da terra e do meio ambiente.
O VCM é dominado por créditos gerados por projetos florestais e de energia renovável. O crescimento recente do VCM e as previsões para sua expansão nesta década têm sérias implicações para a natureza e os direitos fundiários. Seus defensores (dos quais muitos são ligados ao mercado financeiro e ao setor de combustíveis fósseis) estão explorando o chamado "sequestro de carbono" no Sul Global. Grande parte da terra destinada aos projetos de carbono se sobrepõe a áreas tradicionalmente ocupadas por povos indígenas, locais e afrodescendentes. Ou seja, é provável que haja um grande aumento na apropriação de terras relacionado ao que alguns chamam de 'roubo de carbono'.
Inúmeros projetos ligados ao mercado de carbono supostamente causaram graves violações de direitos humanos:
- O projeto Aguan Biogas tem sido associado a assassinatos e outros abusos de direitos humanos em Honduras.
- As plantações industriais de árvores da Green Resources em Uganda levaram à expulsão de milhares de pessoas, muitas das quais relatam ter sofrido violência física nas mãos da polícia.
- Francisco Martínez, conhecido membro de uma organização indígena em Honduras, morreu esfaqueado em janeiro de 2015. Ele foi um dos três membros da comunidade mortos naquele ano por resistir à construção de projetos hidrelétricos ligados à compensação de carbono em território indígena. Ninguém ainda foi legalmente responsabilizado por essas mortes em Honduras.
Os envolvidos nas negociações climáticas também não foram capazes de priorizar os direitos humanos na discussão de soluções para a crise do clima. Na COP21 em Paris, representantes de nações indígenas de todo o mundo saíram às ruas para chamar a atenção para cláusulas fundamentais que foram removidas, justamente as que estabeleciam compromissos vinculantes com a proteção dos direitos humanos e dos direitos dos povos indígenas nas soluções para as mudanças climáticas. Desde então, tem crescido a oposição de grupos indígenas a projetos de compensação de carbono, frequentemente tidos como soluções 'baseadas na natureza'. Na COP26 em 2021, Thomas Joseph, ativista indígena da tribo Hoopa, na Califórnia, classificou essas soluções e a mercantilização da natureza como uma sentença de morte.
Ativistas indígenas defendem uma abordagem holística das mudanças climáticas, centrada na justiça climática, além de enfatizar a importância de deixar os combustíveis fósseis no subsolo. O último relatório do IPCC também destaca a necessidade de evitar ações que aprofundem ainda mais as desigualdades sociais existentes e levem a resultados adversos. Para que essa visão seja alcançada, é essencial que os direitos sobre a terra e os recursos indígenas sejam respeitados e os defensores do meio ambiente sejam protegidos.
Julia Francisco Martinez, viúva do ativista indígena e defensor dos direitos humanos Francisco Martinez Marquez. Francisco foi assassinado em janeiro de 2015, após meses de ameaças de morte. Giles Clarke/Global Witness
Membros da organização hondurenha COPINH se abraçam para comemorar a condenação de David Castillo pelo assassinato da ambientalista e líder indígena Berta Cáceres, em Tegucigalpa, em 5 de julho de 2021. Orlando Sierra/AFP via Getty Images
Honduras
Cinco anos após o assassinato da defensora do meio ambiente e indígena Berta Cáceres, em julho de 2021 um tribunal hondurenho considerou Robert David Castillo culpado de ser um dos mandantes do crime, na época em que o assassinato ocorreu, Robert era o chefe da empresa hidrelétrica Desarrollos Energéticos. Cáceres foi morta a tiros por jagunços em 2016, após anos de ameaças ligadas à sua oposição à represa Agua Zarca, no rio Gualcarque, que atravessa as terras ancestrais do povo Lenca. Em 20 de junho de 2022, Castillo foi finalmente condenado a 22 anos por seu papel em ordenar e planejar o assassinato.
Cáceres era mais conhecida por defender o território indígena Lenca e seus recursos naturais, mas também era uma respeitada analista política, defensora dos direitos das mulheres e ativista anticapitalista. Sua filha, Laura Zúñiga Cáceres, celebrou a decisão judicial como mais um passo na luta por justiça. “É um avanço importante, mas os mandantes do crime ainda gozam de impunidade graças ao seu poder político e econômico. Como vítimas deste crime, nós, sua família, membros do COPINH (Conselho Cívico de Organizações Populares e Indígenas de Honduras) e o povo Lenca continuaremos exigindo justiça do Estado hondurenho”.
Líder indígena Guarani Kaiowa Damiana à beira da estrada enquanto membros de sua tribo seguram faixas sobre a reivindicação de suas terras ancestrais, hoje controladas por grandes agricultores, Mato Grosso do Sul. Reuters/Alamy Stock Photo
Brasil
Em abril de 2021, em uma decisão histórica que poderia reforçar o direito às terras indígenas no Brasil, o Supremo Tribunal Federal concordou por unanimidade em rever um caso anterior que havia cancelado o mapeamento de um território indígena reivindicado pelo povo Guarani Kaiowá. No centro dessa disputa está o território Guyraroká, que se estende por cerca de 11.000 hectares no estado de Mato Grosso do Sul. Grande parte da área disputada é controlada por José Teixeira, um poderoso político e pecuarista.
O povo Guarani Kaiowá diz que suas terras – localizadas no bioma do cerrado – foram roubadas décadas atrás e transformadas em plantações de cana-de-açúcar, o que os forçou a deixar suas terras ancestrais.
A decisão é particularmente importante dentro do atual contexto político, em que o discurso do presidente Bolsonaro incentiva ataques aos direitos indígenas. A reabertura do caso é um divisor de águas e também abre um importante precedente para outras disputas por terras indígenas no Brasil.
Moradores participam de manifestação contra os planos da Royal Dutch Shell de iniciar pesquisas sísmicas para explorar petróleo na região da Wild Coast, praia de Mzamba, Sigidi, África do Sul, 5 de dezembro de 2021. Reuters/Rogan Ward
África do Sul
Depois de um dos maiores protestos pós-apartheid ocorridos na África do Sul, em dezembro de 2021, as comunidades indígenas da região de Wild Coast, no Cabo Oriental, obtiveram uma vitória jurídica histórica contra a gigante de energia e petróleo Shell. Wild Coast faz parte do hotspot de biodiversidade Maputaland-Pondoland-Albany e, além de permitir a subsistência da população local, o oceano tem um significado cultural importante para as comunidades indígenas do Cabo Oriental.
As comunidades ganharam o caso na Suprema Corte da África do Sul com base na violação do seu direito constitucional de serem consultadas e darem consentimento ao projeto. A vitória foi celebrada como um grande avanço no esforço para conter a maré das mudanças climáticas, seguindo outra decisão de 2021, emitida por um tribunal holandês, exigindo que a Shell reduzisse suas emissões mundiais em 45% até o fim de 2030. “Não se trata apenas de dar consentimento”, disse o vice-presidente da ONG local Sustaining the Wild Coast, Sinegugu Zukulu, “trata-se do nosso direito de dizer não diretamente à Shell com base em nossos próprios motivos”.
Indígenas da Ilha de Sangihe e ativistas realizam ação contra a mineradora PT. Tambang Mas Sangihe em frente ao Ministério de Energia e Recursos Minerais em 7 de julho de 2022. Afriadi Hikmal/Greenpeace
Indonésia
Comunidades da Ilha Sangihe
Em maio de 2022, moradores da ilha de Sangihe, na província de Sulawesi, Indonésia, ganharam uma ação judicial contra uma empresa apoiada pelo Canadá que planejava explorar uma mina de ouro na ilha. Um tribunal decidiu que a licença ambiental emitida para a mineradora PT Tambang Mas Sangihe era inválida e ordenou que as autoridades locais revogassem o alvará. Com 42.000 hectares – uma área equivalente a mais da metade da cidade de Nova York – a mineração no local proposto causaria destruição generalizada. Essas preocupações levaram 56 moradores da região a entrar com uma ação – que acabou bem sucedida – contra a autoridade que emitiu a licença ambiental.
Os moradores de Sangihe também entraram com uma ação separada no tribunal administrativo de Jacarta, na qual buscavam a revogação completa do contrato de mineração.
Franz Hemsi, agricultor e defensor da terra em Sulawesi, na Indonésia, obteve o reconhecimento de seus direitos a 20 dos 50 hectares de terra que foram tirados dele de forma ilegítima e violenta. WALHI/Friends of the Earth Indonesia
Franz Hemsi
No início deste ano, após 15 anos lutando contra uma empresa de óleo de palma que tomou violentamente suas terras, o agricultor e defensor da terra indonésio Franz Hemsi recebeu o reconhecimento de seus direitos sobre 20 hectares. Hemsi tem lutado incansavelmente contra a PT Mamuang, uma subsidiária da Astra Agro Lestari – a segunda maior empresa de óleo de palma da Indonésia – desde que ela tomou suas terras à força em 2005. A empresa teria se envolvido em prolongados conflitos fundiários com agricultores locais. Hemsi foi preso três vezes e ele e sua família sofreram ameaças frequente. Ele teve reconhecidos os seus direitos sobre 20 dos 50 hectares que a empresa tentou tomar, mas isso graças à sua resistência incansável, o apoio de sua comunidade, apoio jurídico e a defesa de sua causa junto aos financiadores da Astra Agro Lestari.
Vanessa Nakate, ativista da justiça climática em Uganda, fala em uma manifestação pela justiça climática organizada pela Coalizão COP26 realizada em Glasgow, Reino Unido, em 6 de novembro de 2021. Jasmin Qureshi/Global Witness
São necessárias medidas urgentes para responsabilizar empresas e governos pela violência, criminalização e outros ataques enfrentados por defensores e defensoras da terra e do meio ambiente, que muitas vezes estão na linha de frente da luta contra a crise climática. As seguintes medidas devem ser tomadas por governos e empresas para enfrentar os principais motores e facilitadores de ataques contra pessoas defensoras:
Os governos devem:
- Criar um ambiente seguro para a atuação dos defensores e um espaço cívico para que isso possa acontecer: As leis existentes que protegem os defensores devem ser cumpridas. Quando não houver leis para isso, novos marcos legais devem ser estabelecidos. Os esforços para usar qualquer legislação para criminalizar os defensores devem ser declarados nulos e sem efeito. Os governos devem proteger os direitos dos defensores, incluindo o direito ao consentimento livre, prévio e informado, os direitos dos povos indígenas à sua subsistência e cultura, o direito à vida, à liberdade e à liberdade de expressão e o direito a um ambiente seguro, saudável e sustentável. Estes são direitos humanos básicos, que já estão incorporados em várias legislações, incluindo constituições nacionais. Além disso, mecanismos e ferramentas já existentes devem ser usados para proteger melhor os defensores e promover espaços cívicos, incluindo o Acordo Escazú, os procedimentos do Relator Especial da ONU e o Protocolo Esperanza.
- Responsabilizar legalmente as empresas envolvidas: Exigir que empresas e instituições financeiras realizem a devida diligência de direitos humanos e riscos ambientais em todas as suas operações globais (incluindo cadeias produtivas e relações comerciais), promovendo transparência e prestação de contas pela violência e outros danos aos defensores da terra e do meio ambiente. As leis de responsabilização corporativa devem cumprir os padrões estabelecidos nos Princípios Orientadores da ONU sobre Empresas e Direitos Humanos.
As empresas devem:
- Identificar, prevenir, mitigar e remediar eventuais danos provocados por suas operações contra defensores: Implementar procedimentos robustos de devida diligência de modo a prevenir, identificar, mitigar e prestar contas por prejuízos aos direitos humanos e danos ambientais em todas as suas operações. As políticas da empresa devem incluir explicitamente protocolos para salvaguardar os direitos dos defensores da terra e do meio ambiente. As empresas devem fornecer soluções rápidas sempre que ocorrerem violações de direitos humanos e danos ambientais.
- Garantir a conformidade legal e a responsabilidade corporativa em todos os níveis: Implementar com rigor uma política de tolerância zero para represálias e ataques a defensores da terra e do meio ambiente, aquisição ilegal de terras e violações do direito de consentimento livre, prévio e informado em todos os níveis, inclusive em suas operações globais, cadeias produtivas e relacionamentos comerciais. Essas políticas devem indicar quem no nível sênior será responsável pela conformidade legal, como ela será implementada e monitorada, além de parâmetros claros para suspensão imediata ou rescisão de contratos de fornecedores não conformes.
Governos e empresas devem:
- Implementar uma abordagem baseada em direitos para lidar com as mudanças climáticas: Garantir que os compromissos para implementar o Acordo de Paris estejam alinhados com as obrigações e normas internacionais de direitos humanos existentes e promovam soluções justas e equitativas para combater as mudanças climáticas. Isso deve incluir o fortalecimento dos direitos fundiários das comunidades indígenas e tradicionais e o aumento de sua participação na tomada de decisões, em reconhecimento ao papel fundamental que desempenham na proteção das últimas áreas de biodiversidade remanescentes no planeta.
Vista aérea do desmatamento na Reserva Biológica Nascentes da Serra do Cachimbo, em Altamira, Pará. Joao Laet/AFP via Getty Images
A UE deve assumir a liderança em responsabilidade corporativa
Em fevereiro de 2022, a Comissão Europeia divulgou um projeto de lei para promover a responsabilidade corporativa, exigindo que as empresas avaliem seus impactos nas pessoas e no planeta. A diretiva de devida diligência de sustentabilidade corporativa – se aprovada – exigirá que as empresas que atuam na UE identifiquem, previnam e mitiguem os riscos aos direitos humanos e ao meio ambiente associados às suas atividades e reparem os danos que porventura tenham causado. Se aprovada, essa lei pode ser o primeiro marco regional a obrigar as empresas a agir de forma sustentável. Em última instância, poderia também responsabilizar as empresas em tribunais europeus em casos de descumprimento dessa obrigação.
Apesar de seu potencial, vários componentes da proposta de lei devem ser fortalecidos para garantir maior responsabilização corporativa. O projeto de lei publicado não reconhece os defensores da terra e do meio ambiente, incluindo os povos indígenas, como atores essenciais com os quais as empresas precisam trabalhar continuamente. A proposta atual afirma apenas que eles devem ser consultados “quando relevante”. Com a crescente violência contra os defensores, é essencial que a legislação exija o real envolvimento das comunidades impactadas e potencialmente impactadas como parte dos processos contínuos de devida diligência de uma empresa.
Além disso, a proposta atual parece dar um passe livre ao setor financeiro sem qualquer justificativa. Instituições financeiras como fundos de investimentos, seguradoras e bancos teriam que cumprir apenas requisitos mínimos de devida diligência em comparação com outras empresas cobertas pela diretiva. A Global Witness vem expondo o papel que financiadores localizados UE e suas subsidiárias no exterior têm ao apoiar a projetos que causam violações de direitos humanos e danos ambientais – incluindo grilagem de terras, desmatamento, corrupção e violência contra defensores da terra e do meio ambiente. Assim como outras empresas sujeitas à legislação da UE, as instituições financeiras também devem ser obrigadas a identificar, prevenir e mitigar riscos para as pessoas e para o planeta.
Finalmente, considerando o alerta do IPCC sobre “uma janela de oportunidade breve e que se fecha rapidamente” para enfrentar a crise climática, a diretiva deve incluir elementos vinculantes de devida diligência climática. As empresas foram protagonistas na criação da crise climática, mas as ações da comunidade internacional para conter comportamentos empresariais prejudiciais têm sido lentas e insuficientes. A ampliação da diretiva para incluir a devida diligência climática garantirá que novos modelos de negócios promovam uma economia mais sustentável e poderá exigir que as empresas reduzam suas emissões globais de gases para alcançar a meta climática de 1,5°C.
Recomendações à União Europeia
Como importante bloco comercial com presença global, a União Europeia tem a responsabilidade e a oportunidade de liderar o processo de responsabilização das empresas. A UE tem a obrigação de contribuir para a proteção dos direitos humanos e do meio ambiente, sobretudo nos casos em que suas ações tenham um impacto internacional. Especificamente, a UE deve garantir que a iniciativa de devida diligência de sustentabilidade corporativa:
- Exija que as empresas trabalhem com comunidades indígenas e locais afetadas e outros defensores da terra e do meio ambiente de maneira segura, significativa e inclusiva.
- Exija que as instituições financeiras tenham que cumprir normas de devida diligência reconhecidas internacionalmente, incluindo a realização de devida diligência contínua, desvinculando-se com segurança de relações comerciais prejudiciais, nas quais o dano não possa ser evitado, e realizando a devida diligência de parceiros de negócios com base no risco (e não apenas no tamanho da empresa parceira).
- Exija que as empresas realizem uma devida diligência climática efetiva de acordo com os requisitos propostos de devida diligência ambiental e de direitos humanos.
Manifestação pela justiça climática organizada pela Coalizão COP26 realizada em Glasgow, Reino Unido, em 6 de novembro de 2021. A manifestação fez parte da Marcha Global pela Justiça Climática. Jasmin Qureshi/Global Witness
A campanha da Global Witness em favor dos defensores da terra e do meio ambiente tem o objetivo de pôr fim às inúmeras ameaças e ataques sofridos por defensores da terra e do meio ambiente e suas comunidades. Trabalhamos para aumentar a conscientização sobre esses abusos e amplificar as vozes dos defensores em apoio ao seu trabalho e às suas redes.
Definimos defensores e defensoras da terra e do meio ambiente como pessoas que se posicionam e realizam ações pacíficas contra a exploração injusta, discriminatória, corrupta ou prejudicial dos recursos naturais ou do meio ambiente. Os defensores da terra e do meio ambiente são um tipo específico de defensores dos direitos humanos – e muitas vezes são os mais visados por seu trabalho.
Nossa definição abrange uma ampla gama de pessoas. Os defensores geralmente vivem em comunidades cuja terra, saúde e meios de subsistência são ameaçados por atividades de mineração, extração de madeira, agronegócio ou outras indústrias. Outros defendem a nossa biodiversidade. Outros apoiam esses esforços por meio de seu trabalho – como advogados de direitos humanos ou ambientais, políticos, guardas florestais, jornalistas ou membros de campanhas ou organizações da sociedade civil, por exemplo.
A Global Witness produz relatórios anuais sobre defensores e defensoras da terra e do meio ambiente assassinados desde 2012. Administramos um banco de dados desses assassinatos para que haja um registro desses eventos trágicos e possamos acompanhar as tendências e destacar as principais questões por trás delas.
Análise sobre assassinatos e desaparições forçadas de defensores e defensoras da terra e do meio ambiente entre 1º de janeiro de 2021 e 31 de dezembro de 2021
A Global Witness identifica casos de assassinatos pesquisando e analisando fontes confiáveis de informações online disponíveis publicamente, por meio do seguinte processo:
- Identificamos bases de dados de fontes internacionais e nacionais com detalhes sobre os defensores assassinados, como o relatório anual Frontline Defenders e o relatório anual do Programa Somos Defensores referente à Colômbia e, em seguida, pesquisamos cada caso.
- Utilizamos mecanismos de notificação, usando palavras-chave, e realizamos outras pesquisas online para identificar casos relevantes em todo o mundo.
- Sempre que possível ou necessário, contatamos parceiros locais ou regionais para obter mais informações sobre os casos. Trabalhamos com aproximadamente 30 organizações locais, nacionais e regionais diferentes em mais de 20 países.
Para atender aos nossos critérios, um caso deve ser apoiado pelas seguintes informações disponíveis:
- Fontes de informação online publicadas que sejam atuais e que tenham credibilidade.
- Detalhes sobre o tipo de ato e o método de violência, incluindo a data e o local.
- Nome e informações biográficas da vítima.
- Conexões claras, próximas e documentadas a uma questão ambiental ou fundiária.
Às vezes, incluímos um caso que não atende aos critérios descritos acima. Isso acontece quando uma organização local respeitada nos fornece evidências convincentes e não disponíveis online com base em suas próprias investigações.
A Global Witness inclui amigos, colegas e familiares de defensores da terra e do meio ambiente assassinados em seu banco de dados se a) parecer que eles foram assassinados em represália ao trabalho do defensor, ou b) eles tiverem sido mortos em um ataque dirigido ao defensor.
A Global Witness também registra desaparições forçadas de defensores da terra e do meio ambiente, verificando cada caso para atualização no mínimo seis meses após a desaparição. Nos casos em que o indivíduo permanece desaparecido, registra-se o homicídio.
É provável que nossos dados sobre assassinatos sejam subestimados, uma vez que muitos assassinatos não são notificados, principalmente em áreas rurais e em determinados países. Nossos critérios nem sempre podem ser atendidos por uma análise de informações públicas, como reportagens de jornais ou documentos legais, nem por meio de contatos locais. Ou seja, essa metodologia rigorosa significa que nossos números não representam totalmente a escala do problema. Estamos trabalhando para melhorar isso.
Em resumo, os números apresentados neste relatório devem ser considerados apenas como uma imagem parcial da extensão dos assassinatos de defensores e defensoras da terra e do meio ambiente em todo o mundo em 2021. Em 2021, identificamos casos relevantes em 17 países, mas é provável que ataques contra pessoas defensoras da terra e do meio ambiente também tenham ocorrido em outros países onde as violações de direitos humanos são generalizadas. Os motivos pelos quais podemos não ter conseguido documentar esses casos de acordo com nossa metodologia e critérios incluem:
- Presença limitada de organizações da sociedade civil, ONGs e outros grupos monitorando a situação.
- Supressão governamental dos meios de comunicação e outros meios de informação.
- Conflitos mais amplos e/ou violência política, inclusive entre comunidades, que dificultam a identificação de casos específicos.
Esta é uma tradução para o português do relatório “Decade of defiance: Ten years of reporting land and environmental activism worldwide” que foi publicado originalmente em inglês em 29/09/2022. No caso de qualquer discrepância ou na ausência de clareza, favor consultar a versão original em inglês.
Este relatório contém algumas citações de artigos de imprensa, documentos e fontes que foram traduzidas do inglês para o português. Essas citações são claramente indicadas nas referências.