As escolhas e as ações adotadas na 16.ª Conferência das Partes da Convenção das Nações Unidas sobre a Diversidade Biológica (16th Conference of the Parties to the United Nations Convention on Biological Diversity, CBD COP16) terão impacto na crise da biodiversidade e na sua ligação à emergência climática. Agora, mais do que nunca, os líderes mundiais devem tomar medidas transformadoras para concretizarem os seus compromissos.

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Intact forest and biodiversity, such as those in Acre, Brazil, risk extinction. Lalo de Almeida / Panos / Global Witness

A biodiversidade é a pedra basilar de toda a vida. É crucial para equilibrar o clima do planeta e sustentar os nossos sistemas naturais que suportam as pessoas, as plantas, os animais, os fungos e outras formas de vida que povoam as terras e as águas do nosso mundo. 

No entanto, enfrentamos uma crise sem precedentes. Biomas inteiros estão a desaparecer, habitats estão a ser exterminados e até um milhão de espécies estão em vias de extinção. Estas perdas em cascata afastar-nos-ão ainda mais de alcançarmos um futuro sustentável e equitativo.

Esta degradação implacável não só devasta o ambiente, como também ameaça os meios de subsistência humanos, especialmente para os defensores da terra e do ambiente, incluindo os povos indígenas e as comunidades locais, que estão na vanguarda da proteção da biodiversidade.

Nesta realidade de urgência, a Colômbia irá acolher a 16.ª Conferência das Partes da Convenção das Nações Unidas sobre a Diversidade Biológica. A cimeira está a atrair uma atenção global significativa, à medida que os líderes políticos reconhecem cada vez mais a importância da crise da biodiversidade e a relação desta com a emergência climática.

O que esperar na COP16

Na última CBD COP em 2022, 196 países adotaram o Quadro Global de Biodiversidade Kunming-Montreal (Global Biodiversity Framework, GBF). Este acordo histórico estabeleceu 23 metas ambiciosas para travar e reverter a perda de biodiversidade até 2050, com especial ênfase na proteção dos defensores dos direitos humanos ambientais.

Organizada pelo governo colombiano em Cali, a CBD COP16 será a primeira cimeira desde a adoção do GBF. Os desafios estão maiores do que nunca e existe uma oportunidade única para transformar os compromissos do GBF em planos concretos e exequíveis. 

Os países irão apresentar as respetivas Estratégias e Planos de Ação Nacionais relativos à Biodiversidade (National Biodiversity Strategies and Action Plans, NBSAP) atualizados para a implementação do GBF – e, com as novas Contribuições Determinadas a Nível Nacional (Nationally Determined Contributions, NDC) a apresentar no próximo ano ao abrigo do Acordo de Paris sobre alterações climáticas, os governos devem alinhar os respetivos planos de biodiversidade com a ação sobre as alterações climáticas. Susana Muhamad, Ministra do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Colômbia, anunciou que o tema da COP16 é “Paz com a Natureza”, um apelo para repensarmos a nossa relação com o ambiente e nos afastarmos dos modelos económicos baseados na extração e na poluição. 

A Colômbia comprometeu-se também a colocar os defensores ambientais no centro da cimeira, destacando as vozes daqueles que salvaguardam a biodiversidade e protegem os territórios.

De uma coisa temos a certeza: as decisões tomadas na COP16 terão implicações profundas para o futuro do planeta. A Colômbia deve demonstrar uma liderança forte e apelar a uma cooperação global que conduza a mudanças arrojadas e transformadoras na proteção da biodiversidade. 

Tal significa reconhecer o papel crítico que a biodiversidade desempenha nos nossos sistemas alimentares e na segurança alimentar, na estabilização do clima global e em todas as nossas vidas e meios de subsistência. 

As mudanças arrojadas irão exigir também que o mundo ouça a liderança dos defensores da terra e do ambiente, incluindo os povos indígenas.

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Rise in developments such as the Manila Bay airport in the Philippines, is damaging unique areas of biodiversity and has displaced families. Basilio Sepe / Global Witness

Posições da política da Global Witness em relação à COP da biodiversidade

As posições da política da Global Witness em relação à COP da biodiversidade estão organizadas em três temas para promover uma abordagem baseada nos direitos humanos para a ação sobre as alterações climáticas: 

  • Promover o reconhecimento e a participação relevante dos defensores da terra e do ambiente em todos os processos de tomada de decisão nas COP de biodiversidade
  • Agir para alinhar os fluxos financeiros públicos e privados para acabar com a desflorestação e a perda da natureza   
  • Promover uma exploração mineira responsável que não tenha um impacto negativo na biodiversidade através de uma resolução sobre os minerais e tomar medidas para estabelecer zonas proibidas para a exploração mineira em pontos cruciais de biodiversidade

As Partes devem dar prioridade a estes temas na implementação do GBF e garantir um processo sólido, eficiente, transparente e claro para a revisão global do progresso coletivo.

Jealousy Mugisha - Defender in Uganda

Land and environmental defenders play a vital role in protecting lands yet are often excluded from decision-making processes, such as Jealousy Mugisha from Uganda. Jjumba Martin / Global Witness

Promover o reconhecimento e a participação relevante dos defensores da terra e do ambiente em todos os processos de tomada de decisão nas COP de biodiversidade

Os defensores da terra e do ambiente, especialmente os povos indígenas, desempenham um papel vital na proteção da biodiversidade e na defesa das florestas, habitats e ecossistemas críticos para o clima. A abordagem destes à utilização e soluções do solo congrega a verdadeira sustentabilidade e inovação. 

Em 90 países, os defensores do ambiente gerem mais de um terço das terras protegidas do planeta e ajudam a preservar cerca de 80% da biodiversidade restante no mundo.

No entanto, são frequentemente excluídos dos processos de tomada de decisão e são expostos a níveis extremos de violência simplesmente por defenderem os seus meios de subsistência, o ambiente e a biodiversidade.

Entre as 23 metas adotadas pelo GBF, a Meta 22  compromete-se especificamente com “a representação e a participação plena, equitativa, inclusiva, eficaz e sensível ao género” dos defensores na tomada de decisões. Da mesma forma, reconhece os direitos culturais, territoriais e de recursos dos Povos Indígenas e das comunidades locais de acesso à justiça e à informação relacionada com a biodiversidade.

A Meta 22 representa uma prática recomendada no reconhecimento do trabalho crucial dos defensores da terra e do ambiente, promovendo assim a proteção e participação destes nos processos de tomada de decisões.

Durante a COP16, as Partes têm uma oportunidade significativa de fazerem progressos concretos na redução da violência contra os defensores da terra e do ambiente, comprometendo-se a recolher dados e a reportar sobre este indicador nos respetivos relatórios nacionais à Conferência das Partes na CBD. 

Os defensores da terra e do ambiente devem estar no centro dos debates da COP16, e as Partes da CBD deverão tomar medidas decisivas para:

  • Adotar uma linguagem específica que reconheça publicamente o papel crucial que os defensores da terra e do ambiente desempenham no combate às alterações climáticas, na conservação da biodiversidade e na proteção dos ecossistemas
  • Integrar um plano de ação concreto nas Estratégias e Planos de Ação Nacionais relativos à Biodiversidade para alcançar a Meta 22
  • Garantir a proteção total dos defensores da terra e do ambiente, conforme descrito na Meta 22, e informar sobre as medidas tomadas para protegê-los na íntegra
  • Recolher dados nacionais sobre mortes e ataques contra os defensores da terra e do ambiente, em linha com os compromissos das Partes para concretizar a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, incluindo uma estrutura de indicadores globais para monitorizar o progresso em direção aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (A/RES/71/313), especificamente o indicador 16.10.1
  • Apoiar a adoção de um indicador principal para o Quadro de Monitorização do Quadro Global de Biodiversidade relacionado com as ações realizadas ao abrigo da Meta 22 para garantir a proteção na íntegra dos defensores da terra e do ambiente
  • Garantir que todas as decisões são diretamente informadas pelos defensores da terra e do ambiente, tanto em contextos globais como nacionais, incluindo na adoção e implementação de NBSAP 
  • Garantir que o conhecimento, a experiência e as práticas dos povos indígenas são tidos em conta em todos os processos de tomada de decisão, tanto em contextos globais como nacionais, incluindo na adoção e implementação de NBSAP

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Tropical rainforests in Papua New Guinea devastated as a result of deforestation and palm oil development. Global Witness

Aprovar regulamentos para alinhar os fluxos financeiros e acabar com a desflorestação e a perda da natureza 

As florestas são insubstituíveis e as metas do GBF são inatingíveis sem medidas urgentes para acabar com a desflorestação até 2030. 

A agricultura é o principal motor da desflorestação tropical e da perda de biodiversidade associada. Até agora, os esforços para acabar com a desflorestação global têm dependido de compromissos voluntários por parte dos maiores setores agroindustriais, investidores e instituições financeiras do mundo para mudarem as respetivas práticas. 

Estes compromissos não estão a funcionar. Precisamos de nova regulamentação para impedir o financiamento de empresas que sabemos estarem a causar perdas irreversíveis à natureza e violações dos direitos humanos. Sabemos que tal é evitável e devemos responsabilizar as empresas quando fazem estes acordos.     

Na COP16, os líderes devem comprometer-se com novos regulamentos comerciais e financeiros que alinhem o sistema financeiro com a proteção das florestas. Isto deverá acontecer em conjunto com outros objetivos e metas do GBF, incluindo o financiamento direto e a inclusão dos Povos Indígenas e das comunidades locais na tomada de decisões, reconhecendo os direitos e conhecimentos destes.

Para além do GBF, os líderes devem cumprir os respetivos compromissos ao abrigo da Declaração dos Líderes de Glasgow sobre Florestas e Uso da Terra, onde mais de 140 governos concordaram em travar e reverter a desflorestação até 2030, incluindo o alinhamento financeiro. Na COP28, os Estados comprometeram-se também a “aumentarem os esforços” para travarem e reverterem toda a desflorestação global até esta data.

A nova regulamentação é um pilar essencial da Meta 14 do GBF, a qual insta os governos a incorporarem a biodiversidade em todos os níveis de tomada de decisões, incluindo o alinhamento dos fluxos financeiros com os objetivos do quadro. É também necessário reforçar a Meta 15, para obrigar as empresas a avaliarem, divulgarem e reduzirem os impactos negativos e os riscos para a biodiversidade das respetivas operações, em vez de planos voluntários. 

Todos os signatários da Declaração de Glasgow devem intensificar as respetivas ações de forma a cumprirem o prazo de 2025 para travar a desflorestação provocada pelas matérias-primas. A COP16 deverá servir como um momento chave para lembrar os países sobre estes compromissos antes da COP29, momento em que os países terão de cumprir os respetivos compromissos, anunciando medidas concretas para os alcançar, bem como fornecer dados e informações sobre os respetivos progressos até agora.   

Na CBD COP, os governos podem tomar medidas decisivas agora para proporcionar uma maior responsabilização no acompanhamento, monitorização e comunicação de metas através de:

  • Compromisso de promulgação de legislação nacional para acabar com o financiamento prejudicial que impulsiona a perda de biodiversidade e a desflorestação, incluindo através da adoção de quadros obrigatórios de devida diligência para setores de alto risco, tais como a agricultura, a exploração mineira e a exploração de combustíveis fósseis que incluem o Consentimento Livre, Prévio e Informado (Free, Prior, and Informed Consent, FPIC). Estas leis deverão ser desenvolvidas em colaboração e em resposta às necessidades das comunidades indígenas e locais, e abordar tanto fontes de financiamento públicas como privadas.
  • Compromisso com ações imediatas para reduzir o comércio de produtos que levam à desflorestação tanto no contexto do consumidor como do produtor, incluindo setores e produtos de alto risco ligados à desflorestação e aos impactos relacionados com os direitos humanos. Especificamente, o recente adiamento de 12 meses proposto pela Comissão Europeia para a entrada em vigor do Regulamento Anti-Desflorestação da UE apresenta o sério risco de outras jurisdições reverterem as respetivas ambições de conseguirem cadeias de fornecimento antidesflorestação. Tal deve-se em parte à pressão dos setores industriais que afirmam não estarem preparados para mudar as respetivas operações. 
  • Garantir que as NBSAP incluem planos para eliminar o papel do financiamento nocivo como motor da desflorestação global e da perda de biodiversidade, incluindo em biomas criticamente ameaçados que não cumprem a definição de floresta, tais como o Cerrado, e as suas ligações com violações e abusos dos direitos humanos. Os governos devem incorporar metas ambiciosas e com prazos definidos para medir e reduzir o fluxo de financiamento prejudicial nas NBSAP. 
  • Garantir o alinhamento das NBSAP e das Contribuições Determinadas a Nível Nacional (Nationally Determined Contributions, NDC). Estes planos devem ser elaborados com os titulares de direitos e estar alinhados com o GBF e a Declaração dos Líderes de Glasgow, bem como com o Acordo de Paris, para criar planos reforçados de mitigação e adaptação climática. 
  • Defender a responsabilização jurídica pelos danos causados ao ambiente e às comunidades locais, bem como pelo "greenwashing" por parte de empresas e instituições financeiras que deturpam os seus esforços para reduzir os impactos das respetivas operações nas comunidades e paisagens nas suas cadeias de valor. 

New mining site in Pangwa Myanmar - RS14117

Rare earth mining has exploded in Myanmar as demand for minerals critical to renewable energy technologies rise. Global Witness

Promover uma exploração mineira responsável que não tenha um impacto negativo na biodiversidade através de uma resolução sobre os minerais e tomar medidas para estabelecer zonas proibidas para a exploração mineira em pontos cruciais de biodiversidade

À medida que nos esforçamos para cumprir as metas climáticas globais, a procura de minerais essenciais para as tecnologias de energias renováveis está a aumentar rapidamente. 

Estes minerais, incluindo o lítio, o cobalto e o níquel, são essenciais para baterias, turbinas eólicas e painéis solares. No entanto, sem medidas urgentes, os custos ambientais e sociais da exploração mineira destes materiais ameaçam minar o próprio propósito da transição energética: proteger o nosso planeta e a sua população. 

A exploração mineira tem um grande impacto nas florestas e noutros pontos cruciais de biodiversidade. Até um terço das florestas do mundo podem já estar afetadas pela exploração mineira, e regiões como a Amazónia, a Bacia do Congo e o Sudeste Asiático correm riscos específicos, de acordo com um artigo de investigação.2

Na COP16, devemos abordar a forma como a exploração mineira de minerais de transição tem impacto na biodiversidade e nos ecossistemas, garantindo que a transição energética não acontece à custa da natureza e dos sumidouros de carbono cruciais.

Para consegui-lo, os resultados da CBD COP deverão: 

  • Implementar padrões globais sólidos para práticas de exploração mineira responsáveis. As operações de exploração mineira devem aderir a padrões ambientais, sociais e de governança (Environmental, Social, and Governance, ESG) robustos, que deem prioridade à conservação da biodiversidade e ao respeito pelos direitos humanos. Estes padrões deverão ser juridicamente vinculativos e aplicáveis em todas as jurisdições, promovendo a transparência e a responsabilização em toda a cadeia de fornecimento.
  • Obrigar ao Consentimento Livre, Prévio e Informado em relação a comunidades afetadas. Os povos indígenas e as comunidades locais são, muitas vezes, os primeiros a sentir os impactos negativos da exploração mineira. Os governos e as empresas deverão proteger e respeitar o direito dos Povos Indígenas à autodeterminação, garantindo que os seus direitos relativamente ao FPIC antes e durante o licenciamento, extração e processamento de minerais, estejam em total alinhamento com a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas (United Nations Declaration on the Rights of Indigenous Peoples, UNDRIP) e com a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (Convenção sobre os Povos Indígenas e Tribais).
  • Expandir as áreas protegidas e as zonas proibidas para a exploração mineira. Os governos deverão identificar e expandir as áreas ricas em biodiversidade e culturalmente significativas e designá-las como zonas proibidas para a exploração mineira. Os habitats críticos para espécies ameaçadas e os principais ecossistemas que prestam serviços essenciais deverão ser protegidos das atividades da exploração mineira e deverá ser aplicado o princípio da precaução para apoiar medidas eficazes de proteção ambiental. 
  • Adotar estratégias de economia circular para reduzir a procura de matérias-primas. A transição para uma economia circular pode diminuir significativamente a procura de novos minerais extraídos. A reciclagem, a reutilização e o prolongamento da vida útil dos materiais existentes podem reduzir a pressão sobre os pontos cruciais de biodiversidade. Há necessidade de quadros regulamentares fortes que promovam a conceção de produtos duráveis e recicláveis, reduzindo a dependência da extração de minerais virgens.
  • Dar prioridade às Avaliações de Impacto Ambiental (Environmental Impact Assessments, EIA) locais e regionais. As EIA deverão ser obrigatórias e aplicáveis em todos os projetos de exploração mineira, garantindo que têm em conta a biodiversidade e os impactos nos ecossistemas a longo prazo. Estas avaliações devem ser realizadas de forma independente e envolver a participação das comunidades locais e de especialistas ambientais. Quaisquer projetos com riscos inaceitáveis para a biodiversidade devem ser rejeitados ou sujeitos a estratégias de mitigação que protejam adequadamente os ecossistemas.
  • Promover a inovação e a transferência de tecnologia em tecnologias de exploração mineira de baixo impacto. Os governos e as indústrias deverão investir na investigação e desenvolvimento de tecnologias de exploração mineira que minimizem a degradação ambiental. Isto inclui a redução da utilização de água, a prevenção da destruição de habitats e a mitigação da poluição causada por detritos e resíduos. Incentivar as empresas a adotarem estas tecnologias e outras para permitir a partilha de IP é fundamental para reduzir os impactos negativos da exploração mineira na natureza.
  • Reforçar a cooperação global em matéria de biodiversidade e governança da exploração mineira. O painel da Secretaria-geral da ONU sobre os minerais de transição deixa clara a necessidade de proteger a biodiversidade em linha com a Declaração do Rio.  A integridade do planeta, o seu ambiente e a biodiversidade devem ser salvaguardados através da cooperação multilateral.

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