Todo mundo sabe que a Amazônia está em crise. Mas, logo ao lado dela, outra catástrofe ecológica está em andamento.

Ao sul da maior floresta tropical do mundo fica a savana do Cerrado, apelidada de “floresta de cabeça para baixo” devido às raízes profundas e extensas que permitem que suas árvores sobrevivam a estiagens prolongadas e retenham grandes quantidades de carbono.

Assim como sua vizinha Amazônia, o Cerrado está sendo destruído para satisfazer o apetite global por carne bovina, e essa destruição está sendo viabilizada por algumas das principais instituições financeiras do mundo.

O desmatamento na Amazônia está diminuindo, mas no Cerrado alcançou níveis recordes no ano passado – um aumento de 43% em relação a 2022.

Uma nova pesquisa da Global Witness revela quem está por trás de grande parte dessa destruição.

Por meio de dados públicos, investigamos a pecuária no principal estado produtor de carne bovina do Brasil, Mato Grosso, que tem áreas tanto no bioma da Amazônia como do Cerrado. Seguindo as tendências mais amplas de desmatamento na região, descobrimos que as derrubadas de vegetação no Cerrado ultrapassaram em muito as da Amazônia.

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Fogo consome vegetação do Cerrado na Chapada dos Guimarães, Mato Grosso, Brasil. Lucas Ninno / Getty

Os três maiores frigoríficos do Brasil – JBS, Marfrig e Minerva – têm um papel fundamental nessa devastação ambiental. A Global Witness descobriu que essas empresas globais estão implicadas em um volume considerável de desmatamento ilegal ao longo de suas cadeias produtivas.

Uma área de floresta total maior que Chicago foi desmatada em fazendas que abastecem empresas de carne bovina em Mato Grosso – 99% desse desmatamento foi ilegal, por falta das licenças exigidas de acordo com a legislação brasileira.

O desmatamento ligado a esse trio de empresas foi quase cinco vezes maior na área de Cerrado de Mato Grosso que em seu território amazônico, onde as empresas têm acordos legais que as obrigam a monitorar seus fornecedores.

Uma em cada três cabeças de gado que as empresas compraram do Cerrado de Mato Grosso veio de fazendas com terras desmatadas ilegalmente. A JBS estava ligada ao maior número de fazendas com desmatamento nos dois biomas.

As três empresas contestam as conclusões da Global Witness e afirmam que estão em conformidade com a legislação ambiental brasileira e seus próprios acordos individuais com as autoridades.

A Global Witness descobriu que a demanda por carne bovina, tanto no Reino Unido como na União Europeia, desempenha um papel importante no desmatamento da região. Ao analisar dados comerciais, descobrimos que nos últimos cinco anos o Reino Unido importou uma média de 1.756 toneladas por ano de produtos de carne bovina do estado de Mato Grosso. Da mesma forma, em 2018 e 2019, pelo menos 14 frigoríficos de propriedade de JBS, Marfrig e Minerva em Mato Grosso obtiveram autorização para exportar para países da UE.

Esse comércio global de carne bovina ligada ao desmatamento é parcialmente sustentado pelo sistema financeiro ocidental. A Global Witness analisou dados de mercado disponíveis comercialmente e descobriu que grandes instituições financeiras americanas, britânicas e europeias estão contribuindo para abusos ambientais generalizados através de seu apoio financeiro.

Gigantes do mercado como Barclays, BNP Paribas, HSBC, ING Group, Merrill (anteriormente Merrill Lynch) e Santander subscreveram bilhões de dólares em títulos que ajudam as grandes empresas de carne bovina a contrair empréstimos e crescer.

Pesos pesados financeiros como The Vanguard Group, BlackRock, Capital Research Global Investors, Fidelity Management & Research Company, T. Rowe Price Associates, AllianceBernstein e Compass Group oferecem apoio adicional através da compra de ações.

Ao contrário da vizinha Amazônia, o Cerrado é relativamente pouco protegido por leis e acordos voluntários, incluindo internacionais. Por exemplo, o Cerrado está fora do escopo do Regulamento de Desmatamento da UE (EUDR), uma nova legislação do bloco europeu que proíbe o comércio de commodities produzidas em terras desmatadas.

A pesquisa da Global Witness ressalta a necessidade urgente de abordar o desmatamento no Cerrado e responsabilizar um setor que está impulsionando a destruição de florestas e outros ecossistemas essenciais para a manutenção do clima do planeta. Dois terços das terras desmatadas na Amazônia e no Cerrado são usados para criação de gado, de acordo com um estudo de 2020.

As conclusões também apresentam novas provas de que os centros financeiros globais devem adotar procedimentos obrigatórios de devida diligência contra o financiamento do desmatamento e reforçar as regulamentações financeiras para impedir que suas empresas continuem participando da destruição das florestas tropicais.

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'Floresta de cabeça para baixo'

A savana florestada do Cerrado cobre cerca de um quinto (22%) do território brasileiro e abriga uma das maiores biodiversidades do mundo, incluindo mais de 6.000 espécies de árvores. É apelidada de “floresta de cabeça para baixo” por causa das raízes profundas e extensas que suas plantas usam para sobreviver a secas sazonais e incêndios. Essas riquezas subterrâneas significam que a savana armazena cerca de cinco vezes mais carbono nas raízes e no solo do que acima do solo.

Em 2017, dizia-se que o Cerrado continha 13,7 bilhões de toneladas de dióxido de carbono, ou seja, mais do que a China liberou em 2020.11 No entanto, é provável que o desmatamento desenfreado dos últimos anos tenha afetado significativamente esse armazenamento.

A importância do Cerrado para o clima da Terra não pode ser subestimada. O grupo WWF afirmou que se esse bioma fundamental continuar a ser destruído, não será possível alcançar a meta climática da ONU de limitar o aquecimento global a 1,5◦C.

Essa imensa região de campos naturais e árvores esparsas também tem grande importância social. Muitos povos indígenas e comunidades tradicionais vivem aqui ou utilizam seus recursos naturais, incluindo quilombolas e ribeirinhos.

Enquanto a taxa anual de desmatamento da Amazônia brasileira caiu pela metade em 2023, a do Cerrado aumentou 43%. Dados de julho de 2021 a agosto de 2022 já haviam mostrado que o desmatamento aumentara 25% em relação aos 12 meses anteriores, totalizando 10.700 km2. Desse total, as perdas no estado de Mato Grosso representaram 7%, ou 740 km2.

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A savana do Cerrado no Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, Goáis / GO, Brasil. Global Witness

A capital do gado bovino

Localizado no centro-oeste do Brasil, o estado de Mato Grosso se espalha por três importantes biomas: Floresta Amazônica, ao norte, Cerrado em grande parte do estado, e Pantanal, mais ao sul.

Esse mosaico ecológico faz do estado o local ideal para comparar o desmatamento ligado à pecuária bovina na Amazônia e no Cerrado. As consequências da devastação ambiental aqui têm implicações globais para as mudanças climáticas e a conservação da biodiversidade.

Mato Grosso tem o maior rebanho bovino entre os estados brasileiros, com cerca de 32,8 milhões de cabeças de gado, ou nove por habitante. Esse imenso plantel significa que Mato Grosso desempenha um papel crucial no comércio global de carne bovina. O estado é um dos maiores exportadores de carne bovina do Brasil. Em 2022, as exportações faturaram impressionantes 2,75 bilhões de dólares, a maior parte destinada à China (1,9 bilhões de dólares). Os EUA e o Reino Unido também são mercados externos lucrativos. Mato Grosso exportou mais de 66 milhões de dólares de carne bovina para os EUA, e mais de 15 milhões de dólares para o Reino Unido.

Com um setor pecuário que impulsiona o desmatamento no Brasil e compradores estrangeiros envolvidos nessa atividade predatória, não é por acaso que Mato Grosso também apresenta o segundo maior nível de perda de cobertura florestal do Brasil, de acordo com os dados mais recentes do Global Forest Watch.

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O que fizemos

A Global Witness desenvolveu uma metodologia para analisar dados sobre desmatamento, movimentação de gado e limites de terras para calcular o desmatamento ligado ao gado nas cadeias produtivas brasileiras.

Nesta nova investigação, aplicamos a mesma metodologia às cadeias de fornecimento de três das maiores empresas de proteína animal do país, JBS, Marfrig e Minerva. No trabalho anterior, a Global Witness mostrou que essas empresas têm responsabilidade considerável pela destruição das florestas brasileiras.

Nosso relatório de 2020 Carne bovina, bancos e a Amazônia brasileira usou dados públicos semelhantes para expor como os frigoríficos eram incapazes de remover de suas cadeias produtivas vastas áreas de terras desmatadas no Pará. Mais tarde, promotores locais confirmariam nossos achados.

Em Mato Grosso, a Global Witness rastreou movimentações de gado até os abatedouros dos três frigoríficos usando guias de trânsito animal (GTAs). Esses documentos contêm informações essenciais que permitem o escrutínio público das cadeias produtivas das empresas de carne bovina – incluindo a origem do gado e o nome de compradores e vendedores.

Utilizando informações públicas do Instituto de Defesa Agropecuária de Mato Grosso (INDEA), descobrimos quais fazendas de gado forneciam animais para os frigoríficos de JBS, Marfrig e Minerva. Movimentações significativas de gado ocorreram entre janeiro de 2018 e julho de 2019, período para o qual os registros das GTAs estavam disponíveis. Em seguida, usamos um banco de dados estadual de fazendas e informações de desmatamento da agência de pesquisa espacial do Brasil, ambos disponíveis publicamente, para analisar se havia evidências de derrubada de árvores nas fazendas.

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Foco de calor direto em floresta, próximo a área recém desmatada, com alerta Deter, em Alta Floresta (MT), em Julho de 2020. Christian Braga / Greenpeace

Em seguida, a Global Witness usou registros oficiais sobre autorizações de desmatamento para verificar se o desmatamento registrado nessas fazendas era legal ou não. Essa autorização (chamada de Autorização de Desmate no Mato Grosso e Autorização de Supressão de Vegetação no Pará) é legalmente exigida para o desmatamento em qualquer bioma, seja em terras públicas ou privadas.

O órgão autorizado a emitir tais autorizações em Mato Grosso é a secretaria estadual do meio ambiente, SEMA. Usando o banco de dados online da SEMA, incluindo informações sobre se essas fazendas tinham um plano de recuperação ambiental, a Global Witness aplicou pela primeira vez nossa metodologia usada no Pará a um novo grande conjunto de dados – o estado de Mato Grosso, maior produtor de carne bovina do Brasil.

Nossas descobertas revelam a extensão do desmatamento para abrir pastagens no Cerrado mato-grossense. O bioma não foi abordado nas primeiras auditorias do Ministério Público, publicadas recentemente, sobre a atuação das gigantes da carne bovina no estado, que tratavam apenas das operações dos frigoríficos na Amazônia.

Os resultados mostram que a adoção de um sistema de auditoria em nível estadual é urgente em todos os estados brasileiros, sobretudo naqueles localizados no Cerrado e na Amazônia.

O que descobrimos

Os gráficos a seguir comparam o desmatamento nas cadeias produtivas das três grandes empresas de carne bovina nas regiões da Amazônia e do Cerrado de Mato Grosso:

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Uma análise da Global Witness sobre o desmatamento em fazendas que fornecem gado aos três grandes frigoríficos mostra que quase nenhum caso de desmatamento havia sido autorizado. Ou seja, a remoção da vegetação nativa foi realizada sem a licença exigida por lei.

JBS, Marfrig e Minerva, todos grandes exportadores para a UE, poderão não conseguir exportar sem essas licenças por muito mais tempo. O Regulamento da UE sobre produtos livres de desmatamento (EUDR) proibirá em breve a importação de produtos como carne bovina e couro produzidos em terras desmatadas ilegalmente no Cerrado porque não cumprem a legislação brasileira (ver quadro 'O EUDR e o Cerrado').

Legislação semelhante no Reino Unido, a Environment Act 2021 apresenta disposições para restringir commodities com risco florestal produzidas em violação das leis do país produtor. O Plano de Melhoria Ambiental de 2023 do governo britânico afirma que essas disposições serão implementadas por meio de legislação secundária “na primeira oportunidade”.

O EUDR e o Cerrado

O Regulamento da UE sobre produtos livres de desmatamento (EUDR) visa minimizar a contribuição da UE para o desmatamento e a degradação florestal em todo o mundo. O regulamento, que “entrará em aplicação” em 30 de dezembro de 2024 (ou 30 de junho de 2025 para as pequenas empresas), exige que os operadores e negociantes que pretendam comercializar produtos agrícolas no mercado da UE provem que esses produtos são 'livres de desmatamento' (produzidos em terras que não foram sujeitas a desmatamento após 31 de dezembro de 2020) e legais (em conformidade com todas as leis aplicáveis relevantes em vigor no país produtor).

Atualmente, o EUDR abrange produtos relacionados ao desmatamento de ecossistemas florestais utilizando a definição de floresta da Organização para a Alimentação e a Agricultura (FAO). Isso significa que grandes áreas do Cerrado estão atualmente excluídas da definição do EUDR de 'floresta' e de 'livre de desmatamento'.

No entanto, o EUDR também exige que as empresas cumpram a legislação do país de produção, incluindo leis ambientais locais e regras relacionadas com florestas, independentemente da data de corte de 31 de dezembro de 2020. Assim, o desmatamento ilegal para permitir a pecuária no Cerrado coloca produtos como a carne bovina e o couro em risco de serem impedidos de entrar no mercado da UE assim que o EUDR entrar em aplicação. Nossa investigação descobriu que uma em cada três cabeças de gado da região do Cerrado em Mato Grosso estava ligada ao desmatamento ilegal.

A primeira das próximas revisões do EUDR avaliará se é necessário expandir seu escopo além da floresta para 'outras áreas arborizadas', e a Global Witness pressionará pela inclusão total do bioma do Cerrado na lei. Se tivermos sucesso, as empresas poderão ser impedidas de colocar no mercado da UE produtos que estejam ligados ao desmatamento do Cerrado, independentemente de o desmatamento ser legal ou não perante a legislação brasileira.

Há uma demanda significativa pela carne bovina brasileira tanto no mercado interno quanto externo. Em 2020, o Brasil exportou quase duas vezes mais carne bovina do Cerrado que da Amazônia. Agora, uma pesquisa da Global Witness mostra que a pegada de desmatamento da carne bovina do Cerrado supera a da Amazônia. Na verdade, cada cabeça de gado comprada pelos gigantes da carne de Mato Grosso pode estar associada a uma média de 1.132 m2 (0,11 hectare) de desmatamento no Cerrado, em comparação com uma média de 85 m2 (0,01 hectare) na Amazônia.

Uma análise feita pela Global Witness de dados aduaneiros brasileiros revelou exportações significativas de carne bovina refrigerada e congelada do estado de Mato Grosso para o Reino Unido. Em 2018 e 2019, anos para as quais as GTAs foram analisadas neste relatório, as exportações desses produtos para o Reino Unido foram de  1.269 toneladas e 1.690 toneladas, respectivamente. Nos anos seguintes, à medida que o desmatamento no Cerrado aumentava, as exportações para o Reino Unido permaneceram relativamente estáveis, alcançando 1.771 toneladas em 2023.

Uma análise mais aprofundada usando dados comerciais revelou o total de carne bovina exportada de Mato Grosso para o Reino Unido pelas três empresas analisadas neste relatório. De 2018 a 2023, o Reino Unido importou 2.223 toneladas da JBS, 1.743 toneladas da Marfrig e 683 toneladas da Minerva. Esses dados sugerem que essas três empresas juntas foram responsáveis por quase metade de toda a carne bovina enviada do estado de Mato Grosso para o Reino Unido durante estes seis anos.

A análise dos dados de certificação obtidos por meio das leis de acesso à informação do Brasil também revelou que durante 2018 e 2019, anos para os quais as GTAs foram analisadas neste relatório, os países da UE importaram carne bovina de 14 frigoríficos no estado de Mato Grosso – sete de propriedade da JBS, quatro da Minerva e três da Marfrig. Quando o EUDR estiver totalmente em vigor, essas importações para a UE deverão ser consideradas ilegais devido à falta de licenças que comprovem a legalidade dos desmatamentos florestais associados.

Em resposta às nossas conclusões, a JBS refutou a nossa análise e disse que a Global Witness utilizou critérios diferentes dos utilizados pelos procuradores federais do Brasil que monitoram a sua atividade, “resultando em conclusões enganosas”. A empresa disse que apenas 482 das 611 fazendas analisadas pela Global Witness estavam em seu banco de dados de fornecedores e que todas as compras de gado dessas fazendas estavam em conformidade com a lei entre 2008 e 2019. Destas fazendas, no entanto, 88 foram impedidas de vender à empresa devido a não-conformidades, mesmo antes de a Global Witness contatar a empresa sobre as conclusões deste relatório. As 394 fazendas restantes ainda estão em conformidade legal, afirmou.

A Marfrig refutou as descobertas da Global Witness com base em uma série de fundamentos técnicos, incluindo questionamento do banco de dados de desmatamento que a Global Witness usou, e disse que informações insuficientes foram fornecidas pela Global Witness para a empresa fazer o cruzamento dos dados de todas as nossas descobertas. Afirmou que seus próprios sistemas de monitoramento interno estão alinhados com a legislação federal brasileira e que suas operações de compra de gado são auditadas por terceiros. Em 2023, pelo décimo primeiro ano consecutivo, afirmou que isso resultou no alcance de 100% de conformidade da empresa com a legislação brasileira. Em comunicado, a empresa disse: “Ressaltamos que a Marfrig está fortemente comprometida em conciliar sua atuação com a sustentabilidade, especialmente a conservação dos biomas brasileiros, desenvolvendo e aplicando constantemente tecnologias para mitigar riscos, trabalhando permanentemente com seus fornecedores e garantindo transparência para todos os stakeholders.”

Na comunicação da JBS e da Marfrig com a Global Witness, as empresas sugeriram que usamos critérios diferentes dos do Ministério Público para monitorar a atividade de desmatamento das empresas. A Global Witness concorda que usamos um processo um pouco mais rigoroso que o do Ministério Público em nossa metodologia para identificar pequenos casos de desmatamento, mas acreditamos que a diferença que isso fez em nossas descobertas gerais é mínima. Essa é a única pequena diferença entre a nossa abordagem e a do Ministério Público, que apenas torna o nosso trabalho ainda mais robusto.

Em um comunicado, a Minerva não abordou diretamente as descobertas da Global Witness, mas enviou detalhes de seus compromissos ambientais e de rastreabilidade. A empresa afirmou que o monitoramento de fornecedores diretos “garante” que sua cadeia produtiva “está livre de desmatamento ilegal, práticas trabalhistas análogas à escravidão ou trabalho infantil, sobreposições a áreas protegidas ou embargos ambientais”. Nenhuma evidência foi apresentada para contestar nossa pesquisa. A Minerva também disse que bloqueia fornecedores que violam suas políticas e compromissos.

A Global Witness identificou evidências de falha na devida diligência dessas cadeias produtivas. A Global Witness não sugere que a JBS, a Marfrig ou a Minerva tenham autorizado ou encomendado o desmatamento de qualquer terra de qualquer uma das fazendas que lhes vendem animais. No entanto, essas empresas têm influência suficiente para mudar as práticas adotadas nas fazendas fornecedoras e combater o desmatamento ilegal.

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Gado em area embargada pelo Ibama no municio de Aripuana, Mato Grosso, Brasil. Bruno Kelly / Greenpeace

Falta de comprometimento

Interromper o desmatamento é um desafio para as autoridades brasileiras. No Cerrado, há pouca proteção53em comparação com os acordos de desmatamento zero na Amazônia, com os quais muitos frigoríficos se comprometeram.

Essa discrepância tem implicações para o clima do planeta. Um estudo de 2018 mostrou que dois grandes acordos que reduziram drasticamente o desmatamento na Amazônia brasileira tiveram o “efeito colateral” de aumentar o desmatamento e a perda de vegetação nativa no vizinho Cerrado.

JBS, Marfrig e Minerva são signatárias desses acordos, chamados Termos de Ajustamento de Conduta (TAC), que são juridicamente vinculantes e proíbem a venda de carne bovina proveniente de propriedades com desmatamento ilegal. O primeiro acordo desse tipo foi criado por promotores estaduais no Pará em 2009 e depois estendido a outros estados amazônicos.

Os gigantes da carne bovina também assinaram o G4 Cattle Agreement com o Greenpeace. Políticas voluntárias, criadas após pressão do grupo ambientalista, impedem os frigoríficos de comprar gado de fazendas na Amazônia com qualquer tipo de desmatamento, ainda que legal. As empresas ainda se comprometeram a criar sistemas para monitorar o risco de desmatamento em seus fornecedores.

Além disso, Marfrig e JBS assinaram acordos legais com promotores estaduais de Mato Grosso em 2010 e 2013, respectivamente. Nossa análise sugere que esses acordos estão agregando alguma proteção à Amazônia, mas não ao Cerrado. Em contrapartida, as três empresas de carne bovina assumiram apenas compromissos voluntários em relação à maior savana do mundo. Enquanto a Minerva declarou em 2021 que vem monitorando seus fornecedores diretos em todo o bioma a JBS promete zero desmatamento ilegal em suas cadeias de fornecimento no Cerrado até 2025, e a Marfrig, rastreabilidade total de todos os biomas brasileiros até 2025. Relatórios anteriores da Global Witness lançaram dúvidas sobre essas promessas não vinculantes, mostrando que os frigoríficos deixaram de cumprir a sua palavra por diversas vezes.

As investigações da Global Witness e outros mostraram repetidamente que o monitoramento não é suficiente. O desmatamento tem que acabar. O Ministério Público de Mato Grosso e seus homólogos em outros estados devem seguir o exemplo do Pará e exigir compromissos legais, respaldados por multas por descumprimento, dos gigantes da pecuária, de modo a barrar o desmatamento, tanto da Amazônia quanto do Cerrado.

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Foco de calor direto em floresta, próximo a área recém desmatada, com alerta Deter, em Alta Floresta (MT), em Julho de 2020. Christian Braga / Greenpeace

Os vilões do mercado financeiro

Grandes bancos e empresas de investimento como Barclays, BNP Paribas, HSBC, ING Group, Merrill Lynch e Santander estão contribuindo para o desmatamento de biomas vitais para a manutenção do clima global, subscrevendo bilhões de dólares em títulos nos últimos anos para as três grandes empresas de carne bovina que provocaram parte dessa destruição e fornecendo capital de giro para seus negócios.

Por exemplo, em 2019, a JBS emitiu títulos no valor de 1,25 bilhão de dólares, que foram subscritos por grandes instituições financeiras, incluindo o Barclays Capital. Seguiu-se outro bilhão de dólares em títulos emitidos dois anos mais tarde, que o Barclays Capital também subscreveu, juntamente com o Santander Investment Securities e outros.

Ações e bonds

Comprar uma ação significa que um investidor possui parte de uma empresa e recebe uma parte de seus lucros, bem como direitos de voto e influência na tomada de decisões corporativas. Subscrever um título é diferente de deter ações de uma empresa. Quando um investidor compra um título, ele está essencialmente emprestando dinheiro ao emissor em troca de pagamentos periódicos de juros e do retorno do valor de face do título no vencimento.

Os subscritores atuam como intermediários entre o emissor do título e o investidor que compra esse título. O subscritor ajuda a definir o valor nominal, a duração e a taxa de juros do título. Eles têm um papel crucial em ajudar os investidores a definir se uma empresa é digna de crédito. O subscritor assume a responsabilidade de revender os títulos no mercado aberto, obtendo lucro no processo.

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Ao subscrever obrigações da JBS, da Marfrig e da Minerva, grandes financistas americanos, europeus e britânicos, em conjunto, facilitaram um maior acesso a financiamento para os gigantes frigoríficos e, ao fazê-lo, ajudaram a promovê-los de forma positiva junto a possíveis investidores, apesar da sua exposição ao desmatamento.

Muitos dos bancos e instituições financeiras globais listados acima são membros da Net Zero Banking Alliance, na qual se comprometem a alcançar zero emissão líquida de gases de efeito estufa até 2050.

A Global Witness acredita que JBS, Marfrig e Minerva não deveriam receber financiamento adicional enquanto estiverem causando desmatamento no Cerrado, na Amazônia ou em qualquer outro lugar. É preciso comunicar adequadamente os possíveis investidores sobre a gravidade dos abusos ambientais que assolam as cadeias produtivas desses frigoríficos.

Em vez disso, ao ajudar os gigantes brasileiros da carne bovina a conseguir financiamento, os subscritores de títulos fornecem a essas empresas os meios para que continuem a fomentar o desmatamento em Mato Grosso e outros estados. Consideramos que os financiadores da UE, dos EUA e do Reino Unido – quaisquer que sejam os seus compromissos em relação ao ambiente – contribuem coletivamente para a lavagem da reputação dessas empresas e a promoção de produtos ligados ao desmatamento.

O ING disse à Global Witness que endureceu as suas políticas desde a emissão do título de “transição sustentável” da Marfrig em 2019, para combater o desmatamento e promover a rastreabilidade. Afirmou que atualmente não emite títulos para as entidades brasileiras dos três frigoríficos, nem fornece emissão de títulos ou quaisquer serviços financeiros para suas holdings.

Barclays, BNP Paribas, Merrill Lynch e Santander não quiseram comentar.

Em resposta às nossas conclusões, o HSBC disse que não poderia discutir clientes devido a regras de confidencialidade, incluindo a confirmação se um cliente é realmente seu, mas que o banco “não presta conscientemente serviços financeiros a clientes de alto risco envolvidos diretamente com desmatamento de floresta tropical primária ou seus terceirizados.” 

Queimam a floresta, mas não queimam dinheiro

Com base em informações do provedor de dados financeiros Refinitiv, a Global Witness revela que, em outubro de 2023:

  • Empresas de investimento americanas, britânicas e da UE, nomeadamente The Vanguard Group, Capital Research Global Investors, Fidelity Management & Research Company e BlackRock, mas também Dimensional Fund Advisors e Union Investment Privatfonds, entre outras, detinham ações da JBS num valor superior a 885,5 milhões de dólares.
  • Empresas de investimento americanas, britânicas e da UE, nomeadamente as americanas The Vanguard Group, BlackRock e California State Teachers Retirement System (CalSTRS), detinham ações da Marfrig num valor superior a 53 milhões de dólares.
  • Empresas de investimento americanas, britânicas e da UE, nomeadamente AllianceBernstein, T. Rowe Price Associates, Compass Group, BlackRock e Lingohr & Partner Asset Management, detinham ações da Minerva num valor de quase 211,2 milhões de dólares.

Muitas das instituições financeiras mencionadas acima são membros de iniciativas setoriais que incluem compromissos para reduzir ou eliminar a exposição de suas carteiras ao desmatamento, como a Net Zero Banking Alliance, convocada pelas Nações Unidas, e a Net Zero Asset Managers Initiative (NZAM)69. Isso não parece tê-las impedido de comprar ações de empresas que lucram com o desmatamento. Na verdade, em vez de venderem sua participação em empresas de carne bovina, algumas como a Vanguard – o maior gestor de ativos do mundo depois da BlackRock – optaram por abandonar a iniciativa NZAM em dezembro 2022.

Esse histórico duvidoso mostra por que a regulamentação – e não apenas iniciativas voluntárias – em centros financeiros globais como a UE, o Reino Unido e os EUA é necessária para exigir a devida diligência obrigatória e evitar o financiamento do desmatamento ao longo de cadeias produtivas. Sem isso, os bancos e as empresas investidoras se mostram incapazes de impedir o desmatamento e estão contribuindo para a destruição das florestas tropicais.

Solicitado comentário, a BlackRock disse que detém uma participação minoritária nos três frigoríficos para seus clientes. O asset manager destacou que suas participações significativas em carteiras de investimentos limitam sua capacidade de excluir empresas específicas. Relatou que trabalha continuamente com as empresas brasileiras para avaliar seus riscos de desmatamento e se absteve ou votou contra suas propostas em 2023 devido a preocupações de governança.     

A Union Investment Privatfonds disse à Global Witness que tinha uma “visão crítica” da JBS e já havia vendido suas ações da empresa antes do contato da Global Witness. Acionista da Marfrig, a CalSTRS disse que monitora sua carteira e colabora com empresas para mitigar “riscos”.

A AllianceBernstein não quis comentar e encaminhou as questões à Minerva. Um porta-voz do Capital Group encaminhou as questões à JBS. Dimensional Fund Advisors, Fidelity e T. Rowe Price Associates reconheceram o pedido de comentários da Global Witness, mas ainda não haviam respondido formalmente até o momento da redação deste artigo. Os demais acionistas indicados acima não responderam. 

Do que precisamos

À luz de nossas descobertas:

  • São necessárias proteções globais para o Cerrado. Elas devem incluir a adoção integral do Regulamento de Desmatamento da UE (EUDR), com data limite de no máximo 31 de dezembro de 2020.
  • Os financiadores de JBS, Marfrig e Minerva devem usar a sua influência para exigir melhorias mensuráveis e transparentes e deixar de prestar serviços de empréstimo e subscrição até que cada empresa consiga comprovar que suas cadeias são livres de desmatamento em Mato Grosso e outros locais.
  • Grandes centros financeiros globais – incluindo os EUA, o Reino Unido, a UE e a China – devem legislar sobre a devida diligência obrigatória para evitar o financiamento do desmatamento e reforçar a regulamentação financeira para coibir o financiamento de empresas que causam o desmatamento de biomas tropicais.
  • JBS, Marfrig e Minerva devem implementar integralmente seus acordos legais cobrindo a Amazônia e acabar com o desmatamento em suas cadeias produtivas, publicando as auditorias de seus fornecedores em Mato Grosso, tanto na Amazônia quanto no Cerrado.  
  • O Ministério Público Federal deve estender os acordos legais de não desmatamento da Amazônia, como o protocolo harmonizado, ao Cerrado.
  • O governo de Mato Grosso e de outros estados deve permitir o acesso público às GTAs e implementar um sistema de rastreabilidade para permitir o escrutínio público das cadeias de abastecimento das empresas de carne bovina.