Tal como revelamos anteriormente, o governo da República Democrática do Congo está a tentar reclassificar extensões de dois locais que são património mundial da UNESCO – os Parques Nacionais da Salonga e de Virunga – para permitir a realização de exploração petrolífera. Na nossa nova investigação, lançamos luz sobre a propriedade obscura e sobre negócios secretos de uma empresa que potencialmente fica a ganhar com as tentativas do governo em abrir a área aos trabalhos petrolíferos, a quem foi atribuído um bloco de petróleo que se sobrepõe parcialmente ao Parque Nacional da Salonga.
Faça o download do resumo completo aqui: Não está à venda: As florestas do Congo devem ser protegidas da indústria de combustíveis fósseis
Expomos como indivíduos envolvidos no negócio inicial da compra destes polémicos direitos de petróleo incluem um indivíduo com ligações políticas, um indivíduo condenado por fraude, um empresário envolvido no escândalo brasileiro “Lava Jato” e misteriosas empresas-fantasma.
Além disso, os detalhes do contrato permanecem desconhecidos, em violação da própria lei do Congo relativa ao petróleo. A obscuridade à volta da empresa e os termos do negócio levantam sérias preocupações.
A perspetiva de trabalhos petrolíferos representa uma grande ameaça ao ecossistema importante e frágil da Salonga, enquanto a falta de transparência é especialmente preocupante, já que o país continua envolvido numa crise política.
Segunda maior floresta tropical do mundo ameaçada
Um dos três blocos de petróleo que o Congo atribuiu através do governo à COMICO invade o Parque Nacional da Salonga, a segunda maior floresta tropical do mundo e Património Mundial da UNESCO desde 1984. O parque é lar de até 40 por cento da população mundial de Bonobos e muitas outras espécies ameaçadas de extinção e raras, tais como elefantes da floresta, pavões do Congo, hipopótamos e pangolins gigantes.
No coração da bacia do Congo, o Parque Nacional da Salonga estende-se por 36.000 quilómetros quadrados - uma área maior do que a Bélgica. O seu tamanho significa que ela desempenha um papel fundamental na mitigação das mudanças climáticas e no armazenamento de carbono.
O Comité do Património Mundial da UNESCO clarifica que qualquer forma de exploração mineral, de petróleo e gás é incompatível com o estatuto de Património Mundial. Se mesmo o estatuto de Património Mundial não pode proteger os ecossistemas frágeis do trabalho petrolífero, isso envia uma mensagem de que o planeta inteiro está à venda para a indústria de combustíveis fósseis, com consequências ambientais potencialmente devastadoras.
Um negócio envolto em mistério
Assim como os enormes riscos ambientais associados ao negócio, é alarmante não sabermos por completo quem está por trás da COMICO ou os termos do acordo.
Na sua formação em 2006, a COMICO era controlada por dois homens: Montfort Konzi, um ex-político congolês e empresário, que era membro do gabinete de partido político congolês de Jean-Pierre Bemba, o Mouvement de Libération du Congo; e Idalécio de Oliveira, um controverso empresário Português ligado ao escândalo brasileiro da Lava Jato.
Diversas empresas registadas em jurisdições opacas parecem ter obtido ações na COMICO, enquanto esta estava no processo de adquirir licenças petrolíferas congolesas. Fomos capazes de rastrear ligações entre duas dessas empresas e Norman Leighton, antigo sócio de Oliveira que anteriormente tinha sido condenado por desempenhar um papel num esquema fraudulento de investimento.
Apesar dos nossos esforços, não fomos capazes de rastrear a posse de uma dessas empresas offshore - a Shumba Internacional, que detinha uma quota de 1,5 por cento da COMICO a partir de 2007. A Shumba está agora listada como “extinta” no registo empresarial nas Maurícias.
A adaptação da estrutura da COMICO desta forma, envolvendo empresas obscuras offshore a obter ações quando a COMICO estava em processo de obtenção do seu contrato, levanta sérias suspeitas, tal como acontece com a presença de um antigo político congolês, Konzi, na estrutura de propriedade histórica.
Sem a plena divulgação dos proprietários dessas empresas offshore não temos a certeza que beneficia ou tem beneficiado desta empresa que agora detém direitos controversos de exploração de petróleo no Parque Nacional da Salonga. Quando contactada pela Global Witness, os advogados que representam os acionistas da COMICO que fomos capazes de identificar, disseram que o sigilo que rodeia a propriedade plena da COMICO teve "legítimas razões comerciais sem ligação ao suborno nem à corrupção ou a outros crime financeiros” e afirmaram que "nenhum dos outros proprietários beneficiários foram condenados por suborno, corrupção, fraude ou outro crime financeiro."
A opacidade que rodeia a posse da COMICO é comparável à falta de transparência que rodeia o contrato.
Os contratos de partilha de produção da COMICO (CPPs, ou seja, o seu contrato) foram inicialmente assinados há mais de 10 anos, mas a empresa não foi capaz de iniciar a exploração, até ao Presidente do Congo Joseph Kabila assinar um decreto em fevereiro deste ano.
A lei do petróleo do Congo, publicada em 2015, estipula que novos contratos têm de ser publicados no prazo de sessenta dias a contar da data da sua aprovação. No entanto, sessenta dias após o Presidente Kabila ter dado aprovação presidencial a autorizar o contrato da COMICO e até à data 30 Maio 2018 não existe qualquer sinal do contrato ter sido tornado público.
Aos avogados da COMICO disseram ao Global Witness que foi feito um bónus de assinatura de 3 milhões de dólares americanos em 2007, mas que "nenhum outro pagamento, direto ou indireto foi [sic] feito ao governo da RDC ou aos seus funcionários ou representantes.” No entanto, como o contrato não foi tornado público, é impossível avaliar os termos deste negócio petrolífero para entender se é benéfico para a população do Congo ou para saber se foram realizados os pagamentos potencialmente significativos aos cofres do governo, tais como bónus de assinatura (pagamentos antecipados efetuados pelas empresas aos governos após a conclusão de um contrato).
Necessidade de transparência mais urgente do que nunca
Existe uma longa história de empresas e elites políticas a aparecerem repentinamente em tempos de crise para explorar os recursos naturais do Congo à porta fechada, em detrimento da sua população e dos habitats naturais. Agora, mais do que nunca, existe uma grande a necessidade de transparência nas transações dos recursos naturais do Congo.
O Congo ainda se classifica entre os países mais pobres do mundo e é o 176º entre 187 no mais recente Índice de Desenvolvimento Humano calculado pela ONU. Tinha o maior número de pessoas deslocadas internamente em África no ano passado, com quase 2,2 milhões de pessoas forçadas a sair das suas casas. Além disso, o país está atualmente a passar por um surto de Ebola e o risco de fome e de conflito é iminente.
Em tal terrível contexto e com a economia congolesa depende quase inteiramente dos seus setores de recursos naturais para as receitas de exportação, é vitalmente importante que os negócios nesses setores sejam conduzidos de forma transparente e que as receitas sejam usadas para benefício da população do Congo.
Além disso, o clima político no Congo é atualmente muito tenso, pois as eleições presidenciais a serem realizadas em novembro de 2016 foram repetidamente adiadas, provocando o protesto generalizado. Os conflitos têm estado a reaparecer em todo o país e a aparecer mesmo numa região que historicamente tinha sido pacífica. O presidente Kabila manteve-se no poder para além dos dois mandatos permitidos e não descartou a hipótese de alterar a constituição para remover os limites dos mandatos para poder recandidatar-se uma terceira vez.
A crise política no Congo é suscetível de agravar à medida que se aproxima o novo prazo de dezembro de 2018 para as eleições. Nesta atmosfera, abrir o Parque Nacional da Salonga ao petróleo levanta a possibilidade do regime de Kabila pretender extrair os recursos naturais durante estes tempos precários – possivelmente para arrecadar fundos para a guerra das eleições.
As nossas recomendações mais importantes
À luz da nossa investigação [hiperlink para download], apelamos aos participantes relevantes que executem as seguintes ações principais:
- A COMICO deve empenhar-se em manter-se afastada do Parque Nacional da Salonga e em revelar uma lista completa dos beneficiários efetivos da empresa, tanto os atuais, como todos os restantes desde 2006.
- O governo congolês deve publicar o seu contrato com a COMICO, tal como estipulado pela lei do petróleo e todos os pagamentos efetuados pela empresa ao governo do Congo também devem ser tornados públicos.
- Os governos em todo o mundo devem parar de atribuir contratos de recursos naturais em ecossistemas frágeis e a integridade dos Patrimónios Mundiais da UNESCO deve ser respeitada e preservada.
- O Congo deve cancelar todos os blocos de petróleo que se sobreponham ou sejam adjacentes a áreas protegidas e parques nacionais.
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